No dia em que sai da casa de minha mãe, me tornei mãe. Mãe da
Zélia Gattai, Jorge Amado, Tarsila do Amaral. E, deles, mesmo não estando mais
presente, meu amor continua. Hoje sou mãe da Mirra, do Chico Buarque (ou Chico
Picadinho), do Sete Nagib, do Dois Nagib e do Nino (esse vive em guarda
compartilhada com a vizinha, que ele mesmo adotou). Vive lá e cá. E, cada dia
mais, meu amor por esses felinos só trouxe alegria para meus dias. Os vejo em
seus olhos coloridos, seus olhares que preenchem as palavras e suas
personalidades únicas.
O que mais me recordo da Zélia Gattai é sua elegância.
Sempre como uma princesa. Delicada, discreta e charmosa. Lembro-me do instante
em que ela chegou e ao último dia em que a vi. Quando a chamava, ela atendia. “Zelinha...
Princesinha de Copacabana”. E ela se juntava a nós. O Jorge era Amado para além
de sua natureza. Chegou tão pequeno, olhos tão grandes e sujo. Danado que só.
Pronto para brincar. Amado e dado. Arrasou muitos corações de amigas que se
apaixonaram por ele. A Tarsila chegou medrosa... Explorou o apartamento aos
poucos. Lembro-me da Zélia estranhando a invasão do seu reinado. Outra menina na
casa. Mas, tão logo o tempo passou, era um xodó. Tarsila se esbaldava com o
Jorge. Era a parceria perfeita para as brincadeiras. E dona Tatazinha era
gulosa (e ainda o é!). Gordinha, se jogava no chão e oferecia a barriga para um
carinho convidativo. Doeu muito o dia em que saí de seus dias. E, de certa
forma, ainda dói. Mas, eles estão bem. Isso é o importante.
A Mirra foi a primeira felina de Floripa. Meiga,
brincalhona, dengosa. Mirra explora a casa com destreza implacável. Conhece
cada canto, cada janela, cada centímetro do quintal e das casas vizinhas.
Quando a Mirra foi mãe, tive o prazer de presenciar. Prazer por ver os
pequeninos tão logo que nasceram. Desprazer porque a cena não é tão maravilhosa
assim. Seis filhotes. Cinco pretinhos e um amarelo. Um foi adotado por uma
família e os outros ficaram. Mirra já não estava só. E, para completar, quatro
meninos para que ela dividisse seu território. Mudou de personalidade.
Tornou-se protetora e durona. O Chico é o que destaca: o único amarelo. Dengoso
que só ele! Quando vê a mãe, atrevidamente, deita seu corpo pesado e oferece a
cabeça para lambidas maternas. O Sete é magro, grandes olhos amarelos e falando
(ou seria “miante”?). Enrosca-se em minhas pernas, olha em meus olhos e mia. E
eu respondo “Oi filho?”. E ele mia. E o diálogo acontece. Normalmente, são
miados pedindo comida, carinho ou só para dizer que está aqui. O Dois é gordo,
com um andar truncado e pelugem branca na barriga e embaixo das axilas que
destaca no preto de seus pelos. Não é muito de papo. O diálogo rola na caça aos
passarinhos. Atento e ágil, tão rápido quanto teus olhos podem acompanhar, sobe
em uma árvore com propriedade e garra. Não resiste à um carinho na barriga. O
Nino é o mais menino. Por mais que todos tenham nascido no mesmo dia, o Nino é
o que ainda carrega a feição de filhote. Com uma pelugem macia, chega e emite
um miado de aviso de sua chegada. Vive metade do dia na casa da vizinha e
metade da noite aqui. E é tão engraçado essa guarda compartilhada porque há
diálogo sobre suas destrezas. Ele é meigo, delicado e super parceiro do Chico.
Quando o Nino está em casa, o Chico o ronda e logo o puxa para um rolar no
quintal.
Eles dormem o dia todo. Procuram por sombra e cada qual têm
seu lugar certo de ficar. E, no entardecer do dia, é a hora de espreguiçar,
esticar o corpo, comer e se preparar para uma noite agitada. Porque, no dia
seguinte, começa tudo novamente... O Sete e o Dois deitados no sofá da sala, a
Mirra na calçada de entrada, o Chico dentro ou embaixo do carro e o Nino chegando
para o leite matinal.