textos de própria autoria, de própria vida. minha vida, sua vida, nossa vida.



terça-feira, 26 de maio de 2009

.cabeça que pensa.

cabeça que pensa.
e pensa em que? pensa em emaranhado de ideias e confusões.
cabeça que pensa, não deveria pensar.
deveria ficar inerte, como tantas outras cabeças que não pensam.
cabeça que pensa, deixa para trás passado que não quer pensar;
deixa dias que parecem outra vida, outra história vivida. cabeça que pensa, pensa em tanta coisa, que se perde nessas trilhas de pensamentos que levam do nada a lugar nenhum.
cabeça que pensa, é assim, sem eira nem beira.
vive por ai, com seus dizeres que são sem nexo, sem sentido, sem proveito.
cabeça que pensa, será que pensa? e no que pensa?

.o tempo e a alma.

"Não quero ser o último a comer-te.
Se em tempo não ousei, agora é tarde.
Nem sopra a flama antiga nem beber-te
aplacaria sede que não arde
em minha boca seca de querer-te,
de desejar-te tanto e sem alarde,
fome que não sofria padecer-te
assim pasto de tantos, e eu covarde
a esperar que limpasses toda a gala
que por teu corpo e alma ainda resvala,
e chegasses, intata, renascida,
para travar comigo a luta extrema
que fizesse de toda a nossa vida
um chamejante, universal poema".

Carlos Drummond de Andrade

***

"Agora vou perder-me no serpenteado do Douro e entre as fragas espalhar umas cinzas. De seguida, convidarei os deuses para um repasto com fruta da época. Só então estará completa a catarse."

terça-feira, 19 de maio de 2009

. dona calcanhotto .

dona adriana calcanhotto
dia 17 de maio de 2009, no hsbc brasil, em sampa.
pela vez em que ela me reconheceu, olhou, piscou e sorriu.
porque amo suas músicas.
e porque eu já disse isso a ela.

(foto: Samira Nagib)


segunda-feira, 11 de maio de 2009

.o dia em que quis matar Mincha.

tinha passado dias com Mincha pesando em meus pensamentos. e por diversos dias, Mincha esteve presente mais que físico, mas dentro do inconsciente que atormentava-me toda vez que pensava ou respirava. estava na porta quando abria os olhos pela manhã, no espelho do banheiro onde eu via meu reflexo, no casaco que eu vestia em dias frios, no metrô que eu embarcava, nas ruas por onde eu passava. Mincha estava tomando conta do ar que eu respirava.

um dia,
decidi matar Mincha.

acordei com aquela presença sem antes ter aberto os olhos. quando o dia se concretizava nas horas, Mincha se arrastava pelos traços de poeira que eu deixava. sem que os outros percebessem, lá eu a deixei, e lá permaneceu. fez do meu dia um mar de angústia, tristeza e dúvidas sobre o vento.

afastei-me de meus amigos, para que Mincha não acabasse com seus dias, como já havia feito com o meu. caminhei por ruas, saindo do nada para lugar nenhum.

em um determinado ponto, parei, sentei e conversei com Mincha. disse palavras que estavam remotas em algum rochedo, por não querer ter a oportunidade de dizer. águas salinas de meus olhos que estavam em barreiras, por não querer vermelhar com as palavras. quis fugir de tudo que me fazia de encontro com você Mincha, mas tentar foi inútil e de nada adiantou. fugir foi em vão, parece que a trouxe mais ainda, do que afastou.

olho para Mincha, digo sobre tudo o que aconteceu. aproximo-me de sua pequeneza e mato-a. mato-a com minhas mãos que antes lhe renderam ternura. mato-a enquanto as águas salinas descem, enquanto meu coração se tranquiliza e levita,
por ter matado Mincha,
no dia em que a quis matar.



sábado, 9 de maio de 2009

.minutos no marasmo.

parece que o vento não soprara em anos passados, deixando uma sensação morna no ar, com um odor nauseante, causando fadiga aos passageiros daquela região. quem ali morava, com o tempo, se acostumara com o odor, sem relutâncias; já não havia outro jeito, era assim mesmo e assim permaneceria.

o chão batido de terra seca levantava poeira aos olhos de rostos passados pelo tempo e castigados pelo sol. onde não encontravam sombra, permaneciam parados, somente com uma lasca do chapéu protegendo os olhos. a boca, permanecia exposta com suas rachas brancas.
perto da mercearia da esquina, havia uma saia que balançava com o vento, deixando as pernas morena exposta, suspendendo os olhos maliciosos dos homens. frente a igreja, as crianças pulavam corda, deixando seus rostos suados e a roupa, gasta pelo tempo, de branco à marrom, causando ira nas mães que estavam na calçada conversando sobre a vida. abanando o rabo, o cão latia para o bêbado que caia na escadaria da igreja, que encerrara sua missa, e era caminho dos religiosos, que fingiam não o vêr. a orquestra da cidade preparava a música que tocava todo domingo, no coreto da praça central. a panela apitava na casa da vizinha, que largara a conversa no meio. os pratos eram postos nas grandes mesas, onde as pessoas se reuniam com a família.

tudo ternamente igual. tudo estava do mesmo jeito de sempre. sempre em dias iguais. sempre com expressões iguais.

o tempo parecia não passar naquelas bandas. as coisas eram sempre as mesmas, naquelas caras, naquelas casas, naquela redondeza.

*****

"noite de chuva que cai sobre meu telhado e traz lembranças de saudosas épocas, onde a brisa gélida era o meu cangaço..."

sábado, 2 de maio de 2009

. escrevo para sobreviver .

por quê escrevo?
escrevo para espantar o medo. para não pirar na imaginação, não afogar nos pensamentos.
escrevo para fugir do tempo, escrevendo, deixo uma marca nos dias, algo que nunca se apagará.
escrevo para deixar as lástimas no passado, para exorcizar cismas, para parir palavras que me são doces, mas que podem ser demais por doces.
eu não sei cantar, sou aquela que coloca um cd no rádio e vai pro chuveiro.
eu não sei desenhar, mas pinto em abstrações o que sonho, mas deixo-os em subentendimento.
eu sei escrever. e amo escrever. amo a essência das palavras, por isso, prometo não as usar em vão, não professar dizeres que podem causar maior impacto do que eu queira. prometo não dizer, mais que vezes, as mesmas coisas, para as mesmas pessoas. prometo deixar em sigilo algumas frases e ditâmes. deixar selado com a vida a oportunidade de sacanear os humanos e os privarem de meus pensamentos e palavras.
isso seria demais? seria deixar o ego dizer mais alto? não, não.
se escrevo, se as pessoas lêem, é porque os faço bem. então, quero deixar algumas coisas em silêncio, algumas coisas de meu infinito, algumas dores, amores, temores.
quero ser mais forte, mais sábia. quero ter mais vida, mais dias, mais alegrias.
quero deixar as dores para o tempo e me encarregar somente de ignorá-las.
quero atravessar a rua, desviar o olhar, dar as costas, caso o vento sopre em direção contra meus dias.
quero ouvir minhas músicas, deixar o relógio escondido, deixar o medo esquecido, deixar os remédios no canto da cômoda, deixar as almofadas para os futuros gatos (quem sabe?!). quero deixar o sorriso de minha mãe na vida. quero deixar pequenas marcas...

escrevo para não morrer. para não enlouquecer. para não esquecer.