textos de própria autoria, de própria vida. minha vida, sua vida, nossa vida.



domingo, 18 de dezembro de 2011

os nãos-finais

não. não irei mais te procurar. não irei responder tuas mensagens de texto. não irei atender tuas chamadas no celular. não irei mais lhe encontrar para um café e nem responder aos teus e-mails. não irei lhe dizer sobre as músicas que tenho ouvido e nem sobre os livros que tenho lido. chega. cansei. cansei de tudo. cansei de você. cansei de alimentar teu ego e, mesmo que o meu fosse alimentado ao mesmo tempo, já não é o que quero. deixarei que meu ego siga por outros caminhos, que cruze avenidas e vá em direção ao mundo. qualquer direção que vá contra você.
dizem que os sábios são aqueles que percebem a durabilidade das coisas. pois bem. chegou nossa vez de sermos sábios. bom enquanto durou. bom enquanto o quisemos. bom enquanto amamos o que amamos. bom enquanto fizemos o que fizemos. bom enquanto sentimos o que sentimos.
sem lágrimas, por favor.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Lolita e dr. Humbert

enquanto Lolita se divertia com a câmera fotográfica, dr. Humbert observava seus movimentos, desejando aquela tenra menina. parece que a desejava mais, não pelo que manuseava, mas pelo vestidinho florido por sob a calça, que a deixava com ar de moleca. dr. Humbert acompanhava cada movimento e se detinha nos detalhes, nos gestos de colocar o cabelo para trás da orelha, deixando o belo pescoço à mostra.
Lolita sentia os olhares de dr. Humbert e ficava excitada com sua situação de observada. ao mesmo tempo em que o momento exigia de si concentração, era a primeira vez que manuseava a câmera excitada. não poderia dizer, mas estava louca para ter sua intimidade tocada por ele, que contemplava os movimentos dos músculos dos braços e pernas, como o corpo se movia delicadamente mostrando seus braços fortes, suas coxas grossas... Lolita ansiava por colocar seus lábios na protuberância que marcava a calça de dr. Humbert.
Lolita provocava, sabia que ele estava olhando, sabia que ele a desejava... e como quem procura uma posição para as fotos... se ajoelhava no chão com seu belo par de pernas... ele já havia sentindo a força daquelas pernas o prendendo... estava tomado por pensamentos libidinosos por Lolita...

sábado, 15 de outubro de 2011

três marias.

ela se aproximou como quem não quer nada. como quem está somente de passagem. com o corpo molejo, entregue as vibrações da música que tocava. como quem arrisca sem medo de levar tapa na cara. se aproximou com um sorriso nos lábios vermelho pecado. disse "olá" com o maior tom sensual e me puxou para dançar. não hesitei. estava ali. estávamos ali como quem já esteve milhares de vezes. aqueles traços finos, pele tenra e jeito sem vergonha de quem sabe o que está procurando e sabe o que fazer para conseguir. ajeitou o cabelo para trás da orelha. passou a mão pela minha cintura e disse "eu te conheço de algum lugar. só não me lembro de onde". e eu pensei: "talvez, estivesse em seus sonhos", mas disse: "sou um rosto comum", "não, você não é". passou a mão em meu rosto "você tem os olhos de quem já amou". "como?", "olhos de quem já amou alguma vez e chorou por esse amor. é como se os olhos pudessem mostrar o que fica marcado na constelação de nossa alma". "vamos sair daqui", eu disse. fomos caminhar para fora da festa. havia um vento levemente frio que fez com os poros de minha pele ficasse arrepiados. "frio? deixa que eu te esquento". me puxou para perto dela e pude sentir seu hálito de quem masca chiclete para fazer despercebido o gosto de cerveja. "você não é daqui, né?" perguntei. "eu sou de todos os lugares". a beijei. e pensei se já não estivera com ela nesses outros lugares. seu rosto me era conhecido. não sei se da vida ou de sonhos. mas já havia visto aqueles olhos que dançavam conforme a batida do coração. "me beija de novo". e beijei. e pude sentir o calor de seus lábios, o calor de sua pele e a maciez de cada fio de seu cabelo. sentamos. ela, sem querer, mostrava uma brecha das costas. e tive vontade de beijar aquela pele. ela olhava ao longe e se virou "sabia que as estrelas três marias fazem parte da constelação de orion, o caçador. e seus nomes são mintaka, alnilan e alnitaka?". "para falar a verdade, não sabia" e olhei para o céu para observar as estrelas. ela puxou meu rosto e disse "eu não sei seu nome mas, possivelmente, encontrei, por essa noite, minha alma gêmea em você". eu sorri. não sei se acreditava tanto nessa história de alma gêmea, mas senti uma felicidade tola em ouvir isso dela. e me permiti ser, naquela noite, a alma gêmea encontrada. quem sabe, não seria mesmo? quem sabe, por aquela noite, encontrei o que a maioria das pessoas irão procurar durante toda a vida?

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

escassez.

acordou como todos os dias de sua vida. quebrou um copo logo cedo. o ônibus parou no ponto errado. chegaria atrasada no trabalho e sem a chance de tomar café. estômago vazio até às 12h30... mas, incrivelmente, sentia uma felicidade boba, daquelas que se sente e não sabemos porque a sentimos. daquelas que nos faz reparar no sol e como o dia está bonito. o céu azul com suas nuvens brancas passando por trás de prédio cinzas e janelas que expõem suas cortinas esvoaçantes ao vento. o que teria aquele dia que a fazia se sentir diferente? estava tudo relativamente calmo... será que o tempo estava à seu favor? será que era seu dia de sorte, onde os pássaros cantavam sem mais nem menos... pensava sobre a escassez de palavras que lhe aflingira no último mês... ou escassez de tempo mesmo. sentia vontade de escrever, terceirizar seus sentimentos, suas querências, suas experiências... lhe faltava tempo. tempo para viver. a vida de adulto lhe cansava...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

padaria.

não, eu não entrei. já estava com o pé direito no degrau de entrada quando te vi. e parei, como se aquele segundo valesse mais que dez minutos, um flash de pensamentos me surgiram e ouvi uma voz (consciência?!) que dizia: "não entre". não, eu não entrei e você não me viu. melhor assim. não há aquela interação social exigida pelas boas maneiras. você estava ali e eu também e, de uma forma como tantas outras vezes, estivemos em um mesmo espaço sem interação alguma. e sei que tantas outras vezes isso poderá acontecer, sem que sejamos obrigadas à dizer qualquer coisa enquanto, em algum canto das lembranças, o nosso caso (ou um mero acaso) retorna com alguns momentos vividos.
não, eu não quero te dizer que está tudo bem. está tudo bem, mas você não faz parte da minha vida e não quero te contar como as coisas estão diferentes. também, não quero dizer que senti tanta falta de ti em alguns dias, que acabei cometendo um homicídio sentimental contra tudo o que você representava para minha pessoa. cometi um homicídio simples, sem que o sentimento (a vítima) tivesse defesa, porque estava ali, prostado, suplicando pelo seu fim antes que fosse tomado por uma avassaladora amargura que o deixaria eterno indolor, ranzinza e cinza.

seguimos assim. tão perto e tão longe. como deixamos ser. como deve ser. como deve ser.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

5 linhas

como se tudo estivesse emaranhado, feito novelo de lã, sobre uma pilha de poeira. tudo misturado, sem saber diferenciar o azul do vermelho. sem poder saber o que é forma ou figura. sentimento. introspecção. por favor, respeite meus minutos de solidão. solidão sincera. em meio à multidão. onde a minha voz faz sonoridade de eco. além da multidão, os miados ao fundo...
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terça-feira, 23 de agosto de 2011

manchas amarelas.

- manchas ocorrem quando partículas de poeira umidecem.
- aonde?
- onde pousarem.
- em todos os lugares?
- em alguns lugares onde elas serão eternizadas.
- assim como aquelas manchas amareladas dos livros?
- assim como aquelas manchas amareladas da vida.
- e não há o que fazer para impedir essas manchas?
- não. elas estão no vento, em toda parte.
- eu não queria ter manchas amareladas nos livros.
- eu não queria ter manchas amareladas na vida.
- mas é diferente. uma folha de papel não se pode molhar. não há como tirar as manchas amareladas.
- e duvido que dê para tirar manchas amareladas da vida.
- mas, na vida, as manchas estão na alma... e, não são, necessariamente, manchas eternas. são manchas saudosas, carregadas de mazelas, nostalgia, neuralgia.
- as manchas amareladas são moléstias da alma.
- não, não são da alma. são do tempo. do tempo em que você cultiva essa mancha amarelada.
- e como não cultivar manchas amareladas na alma?
- deixe a alma em constante movimento. e não como um livro em uma prateleira. não como um objeto que você deixa em um canto por ter apreço e não querer danificar. deixe a alma em movimento.

ps: para Patrícia Dante.










quarta-feira, 10 de agosto de 2011

entre dois pontos.

entre dois pontos, existe uma reta. entre dois pontos, existe imperativos que afastam os pólos para horizontes distantes. entre dois pontos, há um vácuo, espaço, vazio, azul. entre dois pontos, existe coisas que poderíamos ter sido, ser e que seríamos, se não fosse a distante desses dois pontos. entre dois pontos, existe medo e pavor, o que mantém um dos pontos desconhecidos pela insegurança de se tornar conhecido. entre dois pontos, existe o que não podemos ver pelos vícios de nossos olhos, pelos vícios de nossos costumes, pelos vícios do frágil. entre dois pontos, não existe um ponto. não, não seria a união de três pontos. mas a proximidade de dois pontos e meio. o meio de dois pontos. entre dois pontos, poderia ter um meio. um meio de tudo ser mais simples, direto, reto. mas, entre dois pontos, existe mais que uma reta, um meio. existe coisas que existem para manter os dois pontos distantes. entre dois pontos, existe uma reta, um meio, um fim.



quinta-feira, 21 de julho de 2011

porta aberta.

deixe a porta aberta. sem chave, sem trinco, sem empecilhos. deixe a porta aberta, assim como a vida. deixe que eu volte, sempre que sentir vontade. deixe minhas coisas nos mesmos lugares e não ligue se eu não vier hoje. quem sabe, amanhã eu apareça. ou não apareça nunca mais... mas deixe a porta aberta. quem sabe eu volte. quem sabe eu resolva ficar.
não, não tracei o nosso destino. ele já estava escrito antes de nascermos. estivemos em alguma constelação durante a vida passada. orion ou cruzeiro do sul? alguma que ainda não foi captada pelas grossas lentes dos astrônomos e nossos olhos nus? fizemos parte de algum buraco negro?
o quê? desculpe, estava atenta à ideia de vir de um lugar longe daqui... e para onde vamos afinal? iremos nos encontrar novamente? e se não nos encontramos? devo lhe agradecer agora sobre todos altos e baixos que passamos juntos? ok. obrigada. por todos os altos e baixos dessa vida. paguei meu carma com você. se paguei... e foi um carma pesado. ok. nem tão pesado assim. você ficava leve quando estava sobre meu corpo. e não me chateava quando ligava às 03h depois de encher a cara com os amigos. isso não foi o baixo de nossa relação... o baixo foi ter amado você e ter pensando sobre um futuro azul ao seu lado... pois é... o amor nem sempre é tão azul.
não, não deixe a porta aberta. eu não quero arriscar minha sanidade com você.


domingo, 17 de julho de 2011

tristeza.

você me diz que acabou e só posso engolir à seco o gosto amargo que surge em minha boca. você diz que não há mais nada para se fazer, que chegamos no ato final e as cortinas devem ser fechadas. e só posso ficar atrás das cortinas, esperando que o público saia satisfeito com o espetáculo que acabamos de encenar... retiro minha máscara da alegria e mergulho em meu abismo de tristeza e solidão.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

vou me embora.

vou me embora desse mundo, já que não lhe sou mais útil.

vou para longe, para um lugar onde eu me encontre,
onde somente o vento me encontre, onde ninguém me encontre.

vou para um lugar onde o meu amor me esqueça e me desfaça, já que não lhe sou mais graça e só desgraça.

vou me embora por caminhos onde nunca andei, por vidas que nunca acreditei, por pensamentos que nunca vaguei.

vou me embora desse mundo, já que não lhe sou mais útil.

terça-feira, 21 de junho de 2011

tempo previsível

definido. indefinido. não podemos limitar as coisas em suas totalidades ou intensidades. mas podemos prever (ou ver) seu fim próximo, quando não há mais planos, ilusões ou tentativas arriscadas. as coisas tem seu tempo programado, sendo longo ou curto, mas não há perda de valor por isso. tudo é importante quando vivido. porém, quando se deixa de insuflar, tal como um bolha sem ar, tudo deixa de existir e permanece em um distante passado. porque o ontem é passado. semana passada já é outra vida. tudo é volátil, volúvel e necessita de uma demanda de zelo.
deixamos de nos amar? deixamos de querer a presença do outro? ou deixamos de fazer esforços para isso acontecer? deixamos isso acontecer. é isso. não há um culpado. somente a ação feita por um e aceita pelo outro. logo, ambos deixamos que isso acontecesse. ambos fomos expectadores da nossa própria peça teatral, sem sermos mais os personagens principais.
e o que teremos agora? bem, o que teremos agora será uma mera e doce lembrança das coisas fantásticas que foram vividas. sem mágoas, mas com os modos que já sabemos como serão. você sabe e eu sei. ainda existe a paixão? sim, existe. mas ela deixou de existir quando deixamos de ser importantes um para o outro.


terça-feira, 31 de maio de 2011

sua falta...

sabe lá deus quando leras isso mas, desde ontem, senti uma imensa vontade de te dizer algo... talvez, só puxar papo e ter um cadinho de ti... talvez, prolongar o papo e ouvir um pouco mais a sua voz... ouvir você resmungar sobre o trabalho, da falta de tempo, das crises pessoais... ou só te ouvir falar. deixaria você até falar sobre astrologia, junção planetária ou falta de dinheiro. mas me bateu uma imensa saudade... daquelas que não sabemos quando iremos nos ver ou aquelas que são existentes por nossos imperativos categóricos da vida.
mas a questão é que sinto sua falta. sinto saudade. sinto um vazio aqui. sinto falta de uma porção de coisas... mas sinto falta do principal: de ter você por perto. e mesmo que o perto seja o distante, eu já tive você mais perto. mais próximo do meu calor... sinto falta das mensagens durante o dia ou mesmo aquelas que vinham em horários que não deveriam vir. sinto falta de suas ligações banais só para saber como estou ou ouvir minha voz. ou mesmo aqueles encontros rápidos, aquelas descidas de ruas, aqueles momentos em que nos pegávamos desviando de folhas ou dividindo um mesmo gole de água...
sinto sua falta.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

desconhecido.

só mais um rosto desconhecido. ou, antes, conhecido em cada traço de pele. o que temos agora é algo que se assemelha com o vazio posto entre o passado vivido e o presente desconhecido. como dois seres que nunca se conheceram na vida e com uma ínfima possibilidade disso acontecer, não há olhares de espaço, não há nada que represente alguma ligação entre essas pessoas.
entre um passado que foi vivido, foi chorado e está entre os arquivos pessoais à ser esquecido, o rosto desconhecido se encontra entre todas as lembranças que devem ser guardadas em alguma caixa de madeira de nossa memória. você estará sempre, mas embaixo de outras centenas de lembranças que me farão não mais querer remexer em nada.
absolutamente nada. nenhum contato virtual, telefônico, pensamento. ou visual. lembrar é natural e acontece, principalmente, em algumas ocasiões que foram compartilhadas. mas, hoje, as faço como um photoshop, você é retirada de cada possível lembrança que possa surgir. não, não que eu queira esquecer o passado, mas quero guardá-lo em um lugar onde ele não venha mais à tona. impedindo que ele se misture com o presente ou com as coisas vividas. sim, aposto que lembras de minha pessoa em algumas ocasiões, alguns lugares ou em algumas músicas. mas são lembranças passageiras que são tomadas por lembranças presentes. e assim devem ser. como dizem alguns psicólogos: é a morte sombólica.
assim, ficamos como estamos: quando nos vemos, quando estamos em um mesmo espaço, em uma mesma fila de padaria, passando por uma mesma rua, somos meramente desconhecidas, cada uma em sua mera vida, esplêndia em seu dia.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

aceita?

- amor, quer casar comigo?

- caso.

- morar comigo?

- adoraria.

- ser minha namorada?

- seria tua mulher, tua amante, tua namorada.

- dormir abraçadinho toda noite?

- pode ser de conchinha?

- é meu jeito preferido.

- e todas as manhãs preparar café para você?

- e tomaria café com você enquanto fumo meu primeiro cigarro do dia.

- aceita?

- aceito. aceita?

- aceito.


***


- me lerás poema todas as noite?

- teria uma biblioteca com os melhores poetas do mundo. mas lerei contos também. até livros! e revezaríamos na leitura.

- me acordaria todas as manhãs cantando?

- gosto de cantar Chico todas as manhãs. pode ser?

- amo Chico... amaria mais ouvindo você cantar.


***


- você dá comida para os gatos e eu cuido das plantas?

- poderíamos ter cactos também?

- claro amor.

- meu pai pode ir nos visitar?

- claro que pode. adoraria conhecê-lo!

- no domingo podemos almoçar com a sua mãe?

- minha mãe teria longas conversas com você.


***


- tudo bem... tudo bem... você sai com a Bia e eu saio para beber com o Júlio... beleza?

- ah, adorei a ideia. e não se esqueça de dar atenção para o Nestor.

- ok, ok, o Nestor...


***


- ah, tem os dias das ex, ok? você sai para tomar um café com o Pedro e eu visito a Morena e a Tereza... num outro dia, visito a Soraia.

- claro, só não sei se o Pedro tomaria um café comigo... mas tudo bem.


***


- sou dengoso. quero todos os carinhos e mimos do mundo, todos os dias.

- e já não te encho de mimos e carinhos todos os dias?

- sempre é bom mais... para garantir.

- me ensina a fotografar?

- te ensinarei à observar as coisas e irás descobrir a tua arte de fotografar.

- amei isso. faço jantar para nós.

- claro, mas preciso aprender a cozinhar também!

- ok. te ensino também o que sei.


***


- não faltará vinho.

- não faltaram os amigos.

- sobrará amor.

- e o desejo será conquistado todos os dias.


***


- aceita?

- aceito. aceitas?

- aceito.

*poema em quatro mãos.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

c.f.a.

“Eu te amei muito. Nunca disse, como você também não disse, mas acho que você soube. Pena que as grandes e as cucas confusas não saibam amar. Pena também que a gente se envergonhe de dizer, a gente não devia ter vergonha do que é bonito. Penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas. Há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber para compreender todas as vezes que fugi de você e voltei e tornei a fugir. São coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas — se um dia a gente se encontrar de novo, em amor, eu direi delas, caso contrário não será preciso. Essas coisas não pedem resposta nem ressonância alguma em você: eu só queria que você soubesse do muito amor e ternura que eu tinha — e tenho — pra você. Acho que é bom a gente saber que existe desse jeito em alguém, como você existe em mim.”



Caio Fernando Abreu.

sábado, 7 de maio de 2011

amores e homeopatia.

queria sentar contigo e dizer sobre todos os amores de minha vida. todos os amores passados, os amores presentes e os amores futuros. minhas sentimentalidades deveriam ser controladas através de homeopatia. mas abandonei qualquer forma que me prive de uma sensibilidade que mexa com o corpo e com a alma. gotas de homeopatia que deveriam controlar meu líbido, minha lúxuria, meus fetiches... são prazeres carnais (e nem tão carnais assim), que fazem com que minha pessoa levante essa carcaça e viva durante o dia. se não fosse isso, que graça teria?!

consultas à cartomantes... vi um anúncio sobre amarração de amor. pensei em você. dei risada. te liguei. você riu... não faria amarração de amor e nenhum tipo de... ah, você sabe. eu estou aprendendo sobre você, seu tempo, todas as suas particularidades, todas as suas formas, todas as suas cores, todas as suas oscilações de humor. mas o que mais gosto é pensar que, mesmo em dias onde o seu temperamento se mistura entre me amar e me odiar, você me liga só para dizer que me odeia, só para ouvir minha voz. meu amor e meu ódio. seu amor e seu ódio. nosso vício.

você é meu conta gota. minha fórmula calmante e entorpecente. minha homeopatia.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

vez ou outra.

os traços ao redor dos olhos indicam mais do que os olhos que são de uma imensidão profunda. os contornos do rosto, do nariz, dos lábios... o cabelo que cai sobre a face e, vez ou outra, são enrolados nos dedos em algum momento de descontração ou concentração. as lentes de vidro, suportadas por uma armação que trai, vez ou outra, por um ar quente que embaça a visão, sendo retirados em um ato de liberdade (e aproximação).


os pensamentos de separação, vez ou outra, são tão fortes e tão suspensos... como se houvesse algo mais forte, que tornasse a relação mais forte, mais próxima e, ao tempo, em que se torna mais respeitosa. o vício está sendo levado entre a linha que separa o raciocínio e a loucura. não há mais a impulsão de tudo, do agora, do fazer qualquer coisa. existe o respeito do tempo, pelo tempo do outro. existe o respeito pelo espaço público e privado de cada indivíduo envolvido nessa história.


feita de escolhas entre caminhos de tijolos amarelos ou caminhos desconhecidos, onde o desconhecido é o despertar de todos os sentidos. sentidos antes adormecidos, nunca existidos ou já mortos. vez ou outra, quando a voz falta no meio da tarde, quando não há respostas, sinais ou mesmo um "olá"... surge apenas uma respiração profunda de paciência e calma.


como se houvesse uma cortina vermelha em algum palco da vida, onde o narrador soubesse escolher o momento exato de cada ator, para cada ato. quando, vez ou outra, o personagem que permanece na coxia espera o momento certo de alegrar o espectador.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

vinho tinto suave.

havia algo naquele vinho que não poderia descrever. um gosto doce, daqueles que se bebe lentamente para provar de cada gota ou para não embriagar-se de uma única vez. eram as pequenas doses que transformava aquele vinho tão suave. tão suave como a vontade de bebê-lo diariamente.

não, não havia taças para servir o vinho. a graça estava no gargalo da garrafa e as mãos que o seguravam. de uma mão para outra, de lábios para lábios. talvez, a saliva deixada no gargalo, sem querer, era o que tornava aquele vinho um objeto de desejo. as faces, já risonhas pelo efeito dos goles, se tornaram avermelhadas e sem pudores. eram demonstrações desinibidas de uma luxúria que havia e, com ou sem vinho, era demonstrada a cada olhar, a cada palavra citada, cada troca de divagações. já não havia certezas sobre as imperfeições do mundo, dos acontecimentos infelizes da humanidade ou qualquer outro assunto que fosse paralelo ao que aconteciam entre aquelas oito paredes, as mãos e a garrafa de vinho tinto suave.

a música francesa que tocava ao fundo era repetida toda vez que chegava ao final. e não havia ação de acionar nenhum botão de repetição. o ato de retirar o braço da cintura outra para retornar a música que era lhe dedicado, transformava o ambiente em uma garçoniere de amantes, em um lugar privativo de suas intimidades, de suas loucuras e de seus libidos. o que queriam era permanecer naquele local durante horas, dias, noites. o limiar do tempo poderia ser fatal entre uma garrafa de vinho e outra. mas, o que havia entre aquelas duas pessoas estava, previamente, limitado. como se quisessem algo e fosse de tal impossibilidade que o mundo conspirava para provar-lhes o contrário. previamente tão limitado que, por instantes, suas vidas fora daquelas paredes eram de um singelo e fugaz pensamento distante.

eram dois que se tornaram um único desejo. uma garrafa de vinho e quatro paredes mudas.

sexta-feira, 18 de março de 2011

triste fim.

quando Policarpo Quaresma descobriu o triste fim que teria, era uma noite chuvosa e seu rosto não demonstrava nenhum sinal de alegria. abriu uma garrafa de vinho tinto suave, acendeu um cigarro e debruçou-se sobre sua solidão. sentia-se só, mesmo envolto a pessoas que o sentia apreço, era de uma solidão tão única, que pensou já não haver mais tempo para as nostalgias ou meias declarações a um mundo que não o tolerava. decidiu, por fim, que seria o seu próprio fim a solução de sua angustia e de suas imperfeições humanas. vagou pela cidade como sinal de uma despedida silenciosa. onde as pessoas, sempre falantes sobre coisas tão imprudentes, passavam por ele como a um homem invisível.
sua solidão não era visível aos olhos humanos? ou somente sofria de algo teu e, tão seu, que não era visível para os demais? tomou por decisão caminhar entre as gotas que caiam do céu, tornando a noite fria, tal como seus pensamentos. o casaco velho que protegia as gotas que arrepiavam sua pele era tão velho quanto à ideia de um amor plausível para superar sua solidão. mas já tentara tantas outras vezes, que se sentia fraco para tentar cortejar alguém e se tornar ouvinte dos problemas alheios. essa era a falta que lhe cabia. falta de paciência para as pessoas que despejavam sobre sua paciência palavras tão petulantes como um monte de formigas mergulhadas numa poça d´água.
caminhou pelas ruas até achar uma cafeteria. o que precisava era sentar em uma cadeira, tomar um café e sentir o gosto amargo, sempre amargo, de um café levianamente companheiro. mergulhado nas lembranças passadas, presentes e lembranças que ainda não havia vivido e que decidira não viver. entornou um gole do seu café já frio e caminhou de volta para sua casa. a chuva já cessara e não fez questão alguma em desviar os passos das poças d´água.
entrou em sua casa e caminhou até o banheiro. abriu a torneira de água quente da banheira. tirou suas peças da roupa molhada que vestia e congelava seus ossos. foi até a cozinha, pegou a garrafa de vinho tinto que já estava pela metade e voltou para o banheiro. pausadamente, mergulhou o corpo na água até molhar os cabelos. retornou à superfície, tomou mais um gole do vinho no gargalo e acendeu um cigarro. seus pensamentos vagavam para algum lugar que ele não conseguia identificar, além da sonoridade silenciosa que invadia sua casa, seu corpo e sua mente. bebeu de mais um gole do vinho, fumou mais um cigarro e mergulhou mais uma vez o corpo na banheira. e não retornou à superfície.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

sonhei com você.

sonhei com você. mentira. eu não sonhei com você. hoje não. mas sempre acho essa frase boa para puxar papo. não sonhei com você essa noite, mas já sonhei outras vezes, em outras noites... ou durante o dia mesmo. e são tantas cenas nos sonhos, que não faltaria roteiro para um filme. um filme sobre meus sonhos com você. ou faríamos uma sessão de terapia sobre nossos sonhos. o que eles seriam? desejos? dejà vú´s?
nos sonhos você vem sorrindo, como quem não quer nada. como quem procura algo. com uma presença que irradia feromônios que envolvem meus sentidos. é esse cheiro que sua pele emana às minhas narinhas que, discretamente, embalam o desejo de meu corpo ao seu gingado. e quando percebe meu corpo envolvido, diz que não sabe o que querer e sai da roda como quem foge do fogo.
eu quero e você quer (ou demonstra isso). o espaço está delimitado para a troca. não depende mais do que quero ou do que você quer. vai acontecer. e você sabe disso. e foge disso. mas não há como fugir. nos tornamos viciados nessa situação que fugir, seria como dilacer algo de nosso cotidiano.
sonhei com você. o quê? bom, já te falei isso e repito: prefiro não contar meus sonhos... vai que sejam dejà vú´s?

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

c.f.a.

"Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-maiseu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias e sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida."
*
"Podia falar de quanto te vi pela primeira vez sem jeito, de repente, te vi assim, como se não fosse ver nunca mais. e seria bom que eu não tivesse visto nunca mais. porque de repente vi outra vez, e outra, outra, e quando eu te via, nascia um jardim de flores em minha face..."
*
Caio Fernando Abreu (12set1948 - 25fev1996).

Domitila.

era Domitila. digna de respeito e desejo. mulher que atraia pelo olhar, pela fala mansa, pelo jeito de saudar e despedir. era Domitila que adentrava os pensamentos de forma involuntária, mas tão presente como a sensação que o vento trazia. as pernas amoleciam quando se aproximava e sabia quando se aproximava. os olhos eram rápidos entre o perceber e o fingir. aguardava que Domitila se aproximasse de forma terna, como quem não quer nada, mas quer algo que apenas não diz. ou está ali para inflamar o ego (seu ou dela) com a certeza de que o dia fora ganho. inspirava-lhe suspiros, que logo era abafado na tentativa de apagar qualquer evidência.
porém, tal como a instabilidade de um dia de sol e chuva, Domitila oscilava entre o desejo e a negação do desejo. como se o querer lhe dilacerasse de forma dolorosa ou lhe fosse imoral e insuportável. sofria de um mal: o medo. medo de agir e se arrepender. medo de não fazer jus ao desejo. medo de não saber guardar segredo. medo de se dar.
de tal forma, entre as oscilações vividas por Domitila, a paixão e o desejo foram sendo deixados de lado até o dia em que se tornaram tão de mal gosto quanto um café frio pela espera de alguém que o sorvesse.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

devaneios viciantes.

estava sentada em uma velha cadeira de madeira ouvindo alguém falar sobre algo que já se dispersara. seu pensamento vagava ao longe, perdido entre cabelos negros que se enrolavam de maneira estonteante. era ele. culpado de seus devaneios e pela boca seca que nem água lhe saciava. e seus braços gelados que sentia na lembrança as passadas de mãos, forma de contato singelo e, ao mesmo tempo, próximo. dono de olhos que lhe diziam mais que a própria fala. fala que sempre era interrompida por terceiros de sua popularidade. era um querer, e bem querer, de estar à sós. mas havia o medo (da parte dela ou dele) que esse momento fosse o auge ou o colapso.
o que havia entre eles, mesmo que não se aproximassem ao ponto de sentirem o ofegar da respiração ao pé do ouvido, era vicioso e entorpecente. melhor que um sorriso sem graça dado aos montes, era o sorriso que estampavam quando se olhavam. e se queriam (?!) ao ponto de terem medo do que viria no dia seguinte.
relutavam no desejo dessa forma. através de um contato diário que, mesmo longe, estava perto. e tão perto, que o medo de estar longe era torturante.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

mapa astral.

"existe aquário em meu mapa astral". ela olhou para os olhos de sua interlocutora.
"onde?". e recebeu um sorriso aberto como resposta. uma resposta que poderia ter sido substituida por palavras. mas que fora suspensa no ar ou em algum papel de mapa astral guardado em alguma gaveta de documentos. "existe você em meu destino". era o que aqueles olhos diziam mas sem emitar nenhuma sonoridade.
por alguma brincadeira da vida, os caminhos estavam já traçados para se cruzarem, mesmo que fossem repentinos, repetidos e dilaceradores. nunca consultara mapa astral, somente consultas on-line que achava na internet em tempos vagos. nunca ouviu falar de peixes em seu mapa astral. talvez, se houvesse, estaria na linha do inferno, da loucura ou da incerteza.
"existe uma linha quase imperceptível que diz que morri no dia em que te conheci".

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

aos meus anos que vingam o destino.

é engraçado pensar como os anos são de uma fragilidade tal como uma simples folha que, com um vento mais forte, se desprende do galho. como os anos passam tal como um grão é levado de volta para o mar quando a onda bate. como as folhas dos calendários são despregados com uma desatenção tão ríspida que somente notamos no último dia do ano.
a vida é feita de ações, fatos, atos e reflexões. não podemos deixar de refletir sobre as instabilidades e estabilidades que a vida proporciona a cada novo dia e a cada novo pensamento. são questões ímpares que acometem nossos pensamentos no calor do momento ou na tristeza da lembrança. as coisas vem. as coisas vão. e não como objetos de desejo ou bibelôs. são proporções dimensionadas por um destino (talvez) já traçado em algum livro de histórias de vida. pode-se mudar isso tal como mudamos o gosto por um novo filme?
temos nossas atenções voltadas para o universo que se centraliza em nosso umbigo. e dele, surgem outros universos que possuem outros universos... os universos de pessoas que nos rodeiam e nos mostram como a vida vale a pena. por mais que tenhamos dias onde o vento sopra mais forte e apaga nossos vestígios. todos esses universos são detentores de valores únicos e somente sabe-se desse valor aqueles que lhe pertencem ou quando se perde. não há moeda financeira, social e mental que pague. somente a moeda afetiva sabe a dimensão e preciosidade que cada universo tem.
não se pode comprar em lojas de conveniências, de atacado ou bazares. são dadas de graça pelas ruas, calçadas, caminhadas, pelas graças de se ter graça. nota-se quando há um universo precioso quando este lhe sorri. e desse sorriso, o trocou ou o sinal de interesse, é remetido por outro sorriso, que se alimenta de sorrisos e só assim.
os meus anos me trazem melancolia de uma vida vivida, apesar dos poucos anos que se concretiza. são sentimentos melancólicos que extirpam minha fragilidade e me deixa em retalhos, tal como um copo descartável.
que meus anos vinguem desfecho brutal que o destino traz.
aos meus anos de vida. e somente à eles.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

lorota - esp 2011

mais uma turma que entra
e a minha turma que sai
já se perde as contas de quantas pessoas cá conheci
e quantas outras ouvi falar
e outros que nem me arrisco em lembrar.

aqui há lendas, lembranças e possibilidades.
lendas de um casarão encantado,
seu falecido e jamais esquecido abacateiro e
seu principe encantado Adão,
cavalheiro de uma terra literária.
lembranças de festas, aulas e situações que marcaram
os caminhos dos sociólogos,
dos pseudo-sociólogos e amigos afins.
e possibilidades de expansão de conhecimentos,
novidades, relações sociais e simplicidade.

por estes caminhos que hoje se apagam atrás de um monstro de concreto,
se esconde assembléias, as preguiças e a sombra de uma árvore que existia.
a sociologia brasileira por cá nasceu.
e foi crescendo conforme as inspirações e expirações fantásticas
dessas cabeças mirabolantes.

sociólogo não fica rico. sociólogo fica depressivo, alcoólatra e amigo.
e, principalmente, se torna um observador de uma sociedade quase invisível.

domingo, 16 de janeiro de 2011

a auto destruição de Amy.

http://musica.uol.com.br/ultnot/2011/01/16/em-ultimo-show-no-brasil-amy-winehouse-transforma-seu-universo-intenso-em-poucas-emocoes.jhtm

"Pelo público, Amy foi recebida como um mito da nova geração. Fãs dedicados e uma plateia afoita por consumir a imagem de seu processo de auto destruição dividiam o mesmo espaço. O primeiro grupo vibrava a cada destreza vocal que superava em sua performace. O segundo, aplaudia todas as vezes que ela coçava o nariz ou levava à boca uma caneca cheia de algum líquido que usava ainda para gargarejar, como um alvo redundante de quem esperava por um vexame daquela figura de postura desengonçada."

Sim, eu estive lá. Eu vi a auto destruição de um talento. A decepção era coletiva e a minha só foi superada no final, com a música "Me & Mr Jones". As balançadas de corpo, a voz trêmula e as falhas nas letras cantadas demonstravam, nitidamente, a presença de bebida no sangue e cocaína, demonstração de coceiras no nariz constante.

Ela entrou no palco embaixo de aplausos de pessoas que estavam ali para ouvir suas músicas ou ter a experiência de vê-la antes de morrer. Cantou músicas melancólicas e poucas que fizeram o público clamar por mais. Foi apática.

E eu, como outros que lá estiveram, terão a oportunidade de dizer "eu vi Amy Winehouse antes de morrer". Ela ou eu.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

a hora de dizer adeus.

abriu a porta do armário e olhou para o que guardava há anos. tirou de dentro do armário a mala que deveria ser feita com todas seus pertences de anos. mas não havia coragem suficiente para isso. a dúvida e incerteza sobre o que poderia acontecer pesava seus braços à ponto de não ter forças para retirar uma blusa se quer da gaveta. sentou no chão, olhou ao redor e foi acometida pela lembrança de tudo o que foi conquistado nesses anos. compra de utensílios, móveis, roupas, a chegada dos gatos. tudo o que viveu, todas as glórias e inglórias, estavam esvaindo pelos dedos que antes demonstrava amor.
ele entrou no apartamento. olhou para ela sentada no chão. olhou para a mala. e parou. ficaram se olhando como se a conversa não precisasse de palavras.
- você tem certeza do que está fazendo?
- não, não tenho.
ela levou as mãos ao rosto e chorou. chorou pela incerteza dessa vida e por todos os caminhos que poderiam ter sido feito e não os foram. chorou pela falta de tolerância, pelo excesso de ciúmes, pela falta de confiança que ele emanava no casamento. ele passou por ela, olhou para a mala ainda vazia e chegou perto de seu ouvido.
- eu te amo. e sei que te amarei sempre. e sei que tenho culpa por essas incertezas entre nós. e também sei que, se você arrumar essas malas e sair por essa porta, não voltará. tal como morrerei por dentro em saber que não terei mais o seu rosto todos os dias para amar.
- eu já não posso conviver com essa situação. você vive de um ciúme que me sufoca, como um peixe ao ser retirado do mar. você me prende em uma redoma e me coloca em um altar onde eu não quero estar. eu quero viver. quero respirar e poder olhar para os lados sem pensar que você pode achar que eu estou olhando para outro.
- não suporto pensar que outra pessoa te abrace ou te beije como eu faço. você me mostrou uma vida linda, possível para nós. eu tento, todos os dias, controlar meu temperamento e ser um homem que você ame. mas essa ideia de outro te amar me mata, me causa dor e sofrimento.
- você desconfia de meus passos, de meus modos. você não tolera minha risada em uma roda de amigos e nem que eu tenha amigos. é um ciúme doentio que está acabando com nós. aliás, com você. porque já não aguento mais isso e não quero amargurar anos com isso.
ela se levantou. abriu a mala e começou a arrumar suas roupas. ele sentou na cama e olhou a cena que dilacerava seus sentimentos.
- por favor, não faça isso. não vá. me dê mais uma chance.
- eu te dei todas as chances nesses anos e você nunca fez por merecer outra. - ela leva as mãos ao rosto na tentativa de dispersas as lágrimas.
ele se levanta, caminha até ela e a ergue do chão.
- eu te amo. e peço que fique. - a segura entre seus braços e a beija, talvez, como nunca tenha a beijado antes.
- eu também te amo. mas já não acredito nas suas promessas de melhorias. você já me prometeu tanto isso, que não há como acreditar.
- fique.
- e se eu ficar. o que acontecerá de diferente?
- eu te amarei. e não com o meu amor que cabe à nós. mas o meu amor que cabe somente ao que sinto.
- como acreditar em você?
- não acredite. eu te mostrarei.
na hipótese de perder a mulher que ama e de forma avassaladora, ele a pega em seus braços. a carrega para a cama e faz amor com ela, de uma forma que nunca fez antes.