textos de própria autoria, de própria vida. minha vida, sua vida, nossa vida.



quarta-feira, 27 de abril de 2011

vez ou outra.

os traços ao redor dos olhos indicam mais do que os olhos que são de uma imensidão profunda. os contornos do rosto, do nariz, dos lábios... o cabelo que cai sobre a face e, vez ou outra, são enrolados nos dedos em algum momento de descontração ou concentração. as lentes de vidro, suportadas por uma armação que trai, vez ou outra, por um ar quente que embaça a visão, sendo retirados em um ato de liberdade (e aproximação).


os pensamentos de separação, vez ou outra, são tão fortes e tão suspensos... como se houvesse algo mais forte, que tornasse a relação mais forte, mais próxima e, ao tempo, em que se torna mais respeitosa. o vício está sendo levado entre a linha que separa o raciocínio e a loucura. não há mais a impulsão de tudo, do agora, do fazer qualquer coisa. existe o respeito do tempo, pelo tempo do outro. existe o respeito pelo espaço público e privado de cada indivíduo envolvido nessa história.


feita de escolhas entre caminhos de tijolos amarelos ou caminhos desconhecidos, onde o desconhecido é o despertar de todos os sentidos. sentidos antes adormecidos, nunca existidos ou já mortos. vez ou outra, quando a voz falta no meio da tarde, quando não há respostas, sinais ou mesmo um "olá"... surge apenas uma respiração profunda de paciência e calma.


como se houvesse uma cortina vermelha em algum palco da vida, onde o narrador soubesse escolher o momento exato de cada ator, para cada ato. quando, vez ou outra, o personagem que permanece na coxia espera o momento certo de alegrar o espectador.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

vinho tinto suave.

havia algo naquele vinho que não poderia descrever. um gosto doce, daqueles que se bebe lentamente para provar de cada gota ou para não embriagar-se de uma única vez. eram as pequenas doses que transformava aquele vinho tão suave. tão suave como a vontade de bebê-lo diariamente.

não, não havia taças para servir o vinho. a graça estava no gargalo da garrafa e as mãos que o seguravam. de uma mão para outra, de lábios para lábios. talvez, a saliva deixada no gargalo, sem querer, era o que tornava aquele vinho um objeto de desejo. as faces, já risonhas pelo efeito dos goles, se tornaram avermelhadas e sem pudores. eram demonstrações desinibidas de uma luxúria que havia e, com ou sem vinho, era demonstrada a cada olhar, a cada palavra citada, cada troca de divagações. já não havia certezas sobre as imperfeições do mundo, dos acontecimentos infelizes da humanidade ou qualquer outro assunto que fosse paralelo ao que aconteciam entre aquelas oito paredes, as mãos e a garrafa de vinho tinto suave.

a música francesa que tocava ao fundo era repetida toda vez que chegava ao final. e não havia ação de acionar nenhum botão de repetição. o ato de retirar o braço da cintura outra para retornar a música que era lhe dedicado, transformava o ambiente em uma garçoniere de amantes, em um lugar privativo de suas intimidades, de suas loucuras e de seus libidos. o que queriam era permanecer naquele local durante horas, dias, noites. o limiar do tempo poderia ser fatal entre uma garrafa de vinho e outra. mas, o que havia entre aquelas duas pessoas estava, previamente, limitado. como se quisessem algo e fosse de tal impossibilidade que o mundo conspirava para provar-lhes o contrário. previamente tão limitado que, por instantes, suas vidas fora daquelas paredes eram de um singelo e fugaz pensamento distante.

eram dois que se tornaram um único desejo. uma garrafa de vinho e quatro paredes mudas.