textos de própria autoria, de própria vida. minha vida, sua vida, nossa vida.



sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

filhos felinos



No dia em que sai da casa de minha mãe, me tornei mãe. Mãe da Zélia Gattai, Jorge Amado, Tarsila do Amaral. E, deles, mesmo não estando mais presente, meu amor continua. Hoje sou mãe da Mirra, do Chico Buarque (ou Chico Picadinho), do Sete Nagib, do Dois Nagib e do Nino (esse vive em guarda compartilhada com a vizinha, que ele mesmo adotou). Vive lá e cá. E, cada dia mais, meu amor por esses felinos só trouxe alegria para meus dias. Os vejo em seus olhos coloridos, seus olhares que preenchem as palavras e suas personalidades únicas.

O que mais me recordo da Zélia Gattai é sua elegância. Sempre como uma princesa. Delicada, discreta e charmosa. Lembro-me do instante em que ela chegou e ao último dia em que a vi. Quando a chamava, ela atendia. “Zelinha... Princesinha de Copacabana”. E ela se juntava a nós. O Jorge era Amado para além de sua natureza. Chegou tão pequeno, olhos tão grandes e sujo. Danado que só. Pronto para brincar. Amado e dado. Arrasou muitos corações de amigas que se apaixonaram por ele. A Tarsila chegou medrosa... Explorou o apartamento aos poucos. Lembro-me da Zélia estranhando a invasão do seu reinado. Outra menina na casa. Mas, tão logo o tempo passou, era um xodó. Tarsila se esbaldava com o Jorge. Era a parceria perfeita para as brincadeiras. E dona Tatazinha era gulosa (e ainda o é!). Gordinha, se jogava no chão e oferecia a barriga para um carinho convidativo. Doeu muito o dia em que saí de seus dias. E, de certa forma, ainda dói. Mas, eles estão bem. Isso é o importante.

A Mirra foi a primeira felina de Floripa. Meiga, brincalhona, dengosa. Mirra explora a casa com destreza implacável. Conhece cada canto, cada janela, cada centímetro do quintal e das casas vizinhas. Quando a Mirra foi mãe, tive o prazer de presenciar. Prazer por ver os pequeninos tão logo que nasceram. Desprazer porque a cena não é tão maravilhosa assim. Seis filhotes. Cinco pretinhos e um amarelo. Um foi adotado por uma família e os outros ficaram. Mirra já não estava só. E, para completar, quatro meninos para que ela dividisse seu território. Mudou de personalidade. Tornou-se protetora e durona. O Chico é o que destaca: o único amarelo. Dengoso que só ele! Quando vê a mãe, atrevidamente, deita seu corpo pesado e oferece a cabeça para lambidas maternas. O Sete é magro, grandes olhos amarelos e falando (ou seria “miante”?). Enrosca-se em minhas pernas, olha em meus olhos e mia. E eu respondo “Oi filho?”. E ele mia. E o diálogo acontece. Normalmente, são miados pedindo comida, carinho ou só para dizer que está aqui. O Dois é gordo, com um andar truncado e pelugem branca na barriga e embaixo das axilas que destaca no preto de seus pelos. Não é muito de papo. O diálogo rola na caça aos passarinhos. Atento e ágil, tão rápido quanto teus olhos podem acompanhar, sobe em uma árvore com propriedade e garra. Não resiste à um carinho na barriga. O Nino é o mais menino. Por mais que todos tenham nascido no mesmo dia, o Nino é o que ainda carrega a feição de filhote. Com uma pelugem macia, chega e emite um miado de aviso de sua chegada. Vive metade do dia na casa da vizinha e metade da noite aqui. E é tão engraçado essa guarda compartilhada porque há diálogo sobre suas destrezas. Ele é meigo, delicado e super parceiro do Chico. Quando o Nino está em casa, o Chico o ronda e logo o puxa para um rolar no quintal.

Eles dormem o dia todo. Procuram por sombra e cada qual têm seu lugar certo de ficar. E, no entardecer do dia, é a hora de espreguiçar, esticar o corpo, comer e se preparar para uma noite agitada. Porque, no dia seguinte, começa tudo novamente... O Sete e o Dois deitados no sofá da sala, a Mirra na calçada de entrada, o Chico dentro ou embaixo do carro e o Nino chegando para o leite matinal.