textos de própria autoria, de própria vida. minha vida, sua vida, nossa vida.



quarta-feira, 11 de agosto de 2010

balelas.

tirou o maço de cigarro do bolso, acendeu e deu um longo trago.
- você fuma?
- fumo.
- eu não sabia. nunca te vi fumar.
- talvez, por isso, você não soubesse.
- é, eu já fumei. mas resolvi parar. não quero que meus dentes fiquem amarelos.
- quem sabe, um dia, eu também pare de fumar. mas, pensar nisso agora, seria como pensar em suicídio. prefiro arriscar ficar com os dentes amarelos.
- já tentou fazer ioga?
- não.
- é, eu faço ioga. quando larguei o cigarro, comecei a fazer ioga para acalmar os nervos. não foi fácil. mas consegui.
- isso não seria como aquelas coisas de auto ajuda, né?!
- não.
- mas, se eu largar o cigarro, terei de ter algo em mãos para não as sentir vazias!
- você já tem algo nas mãos.
- tenho? o quê?
- eu.
- ...
***
- eu estava pensando em largar o cigarro quando escrever um livro.
- você quer escrever um livro?
- sim. por quê?
- ah, você tem cara daqueles escritores que fazem a gente se olhar no espelho depois de ler um capítulo.
- eu sempre achei que escritor tinha palavras e não cara.
- ah, deixe de besteira. é sério. você me lembra um pouco da nostálgia de Nelson Rodrigues.
- hum. o cara era bom mesmo. um pouco mais boêmio que eu, diria.
- sim. mas com uma paixão avassaladora daqueles que sentia Vinicius.
- não sabia que você entendia tanto de livros.
- eu já trabalhei numa livraria.
- massa. mas não sabia que você já havia me olhado assim. aliás, sempre achei que você nunca me via.
- eu sempre te vi. você que não me via.
- ...
***
- putz, acabou meu cigarro. preciso ir comprar.
- posso ir com você?
- para que? se você não fuma.
- grosso. só queria te fazer companhia.
- ok, não seja sentimentalista. vamos então.
***
- noite fria, né?
- é.
- quer dar um pulo em casa?
- acho melhor não.
- por que?
- tenho meus grilos de voltar para casa tarde da noite.
- isso não é problema. se ficar tarde e teus grilos aparecerem, você dorme em casa.
- mas tua casa é pequena. não tem espaço na sala.
- e quem disse que você irá dormir na sala?
- ...
- não se esconda com essa timidez. vamos logo.
***
- o apartamento está bem legal. mudou bastante da última vez que vim aqui.
- mudei bastante coisa sim. comprei umas, ganhei outras. estou dando minha personalidade para as paredes.
***
- quer um suco, uma água...
- tem vodka?
- tem.
***
- vamos para o quarto. lá tem tv, pelo menos. a sala ainda irá demorar para ficar pronta. me dediquei mais ao quarto, onde fico a maior parte do tempo quando estou em casa.
- mas a sala assim, vazia, está bem legal.
- é. eu fiquei com espaço para trazer os amigos. isso foi bom.
***
- pode sentar na cama. não tem problema não.
ele observa que existem algumas peças de roupas espalhadas no chão.
- ah, não esquenta com a bagunça. mas é a única forma que acho minhas coisas.
ele repara que existe uma calcinha embaixo do cobertor.
- senta. vou ligar a tv. quer assistir algo?
- não sou muito de ficar na frente da tv.
- entendi. mas vou ligar assim mesmo. pelo menos, ilumina o quarto. mas vou deixar no mudo, tudo bem.
- tudo.
ela se senta ao lado dele. os goles de vodka, assim como convém a tradição russa, já começam a elevar o calor do corpo. ela fala, ri e olha para ele, mas sua atenção está voltada para os lábios e os olhos que brilham cada vez que se abre e fecha. está como num transe alucinado, imaginando estar somente ali, sem que houvesse mais nada para entender ou ser entendido do mundo. ou do seu mundo.
- hei. você está me ouvindo?
- não.
- estou te entendiando?
- não.
- você quer alguma coisa?
- hum, acho que sim.
- o que?
- você.

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