havia algo naquele vinho que não poderia descrever. um gosto doce, daqueles que se bebe lentamente para provar de cada gota ou para não embriagar-se de uma única vez. eram as pequenas doses que transformava aquele vinho tão suave. tão suave como a vontade de bebê-lo diariamente.
não, não havia taças para servir o vinho. a graça estava no gargalo da garrafa e as mãos que o seguravam. de uma mão para outra, de lábios para lábios. talvez, a saliva deixada no gargalo, sem querer, era o que tornava aquele vinho um objeto de desejo. as faces, já risonhas pelo efeito dos goles, se tornaram avermelhadas e sem pudores. eram demonstrações desinibidas de uma luxúria que havia e, com ou sem vinho, era demonstrada a cada olhar, a cada palavra citada, cada troca de divagações. já não havia certezas sobre as imperfeições do mundo, dos acontecimentos infelizes da humanidade ou qualquer outro assunto que fosse paralelo ao que aconteciam entre aquelas oito paredes, as mãos e a garrafa de vinho tinto suave.
a música francesa que tocava ao fundo era repetida toda vez que chegava ao final. e não havia ação de acionar nenhum botão de repetição. o ato de retirar o braço da cintura outra para retornar a música que era lhe dedicado, transformava o ambiente em uma garçoniere de amantes, em um lugar privativo de suas intimidades, de suas loucuras e de seus libidos. o que queriam era permanecer naquele local durante horas, dias, noites. o limiar do tempo poderia ser fatal entre uma garrafa de vinho e outra. mas, o que havia entre aquelas duas pessoas estava, previamente, limitado. como se quisessem algo e fosse de tal impossibilidade que o mundo conspirava para provar-lhes o contrário. previamente tão limitado que, por instantes, suas vidas fora daquelas paredes eram de um singelo e fugaz pensamento distante.
eram dois que se tornaram um único desejo. uma garrafa de vinho e quatro paredes mudas.
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