textos de própria autoria, de própria vida. minha vida, sua vida, nossa vida.



quarta-feira, 30 de junho de 2010

divagações.

primeira divagação do dia:
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"o relógio toca. os corpos, ainda preguiçosos, se remexem na cama, como se procurassem tempo para divagar pensamentos. estão lá. dois corpos femininos que se acham no emaranhado de cobertores e lençóis. estão lá. no sublime amor que cumpre o dia de euforias".
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para minha Evoé.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Antônia e o Santo Casamenteiro.

Antônia era moça do interior. nasceu, cresceu e se educou como antigamente. era moça de respeito e de boa família. passava os dias em casa com sua mãe ou estava sempre na paróquia da cidade ajudando o padre e as outras mulheres com os preparativos das festas. era moça zelosa, cuidava dos irmãos e dos sobrinhos. pois é, Antônia era tia de três meninos: Zeca, João e o Toninho. mais arteiros na cidade não tinha. mas ela era uma tia protetora. já eram tantos os curativos e remédios nos ralos da pele deles, que nem sabia mais quantos fizera.
Antônia era moça nova. não tinha mais que 20 anos e já pensava em casamento. naquela cidade, moça com 25 anos que não casou, já era cargo de titia. e isso era o que ela mais temia. era, de praxe, que todo começo do mês de junho, lá iria Antônia para a igreja com o Santo Antônio nas mãos, feito ouro. ajoelhava-se e rezava durante horas. sem contas as inúmeras promessas feitas, mas sem retorno do santo. os joelhos haviam feito cicatriz das tantas vezes que ali estivera, em fé ao santo, para um marido. e não era só à Santo Antônio que ela apelava, já tinha feito até promessa para Santo Expedito, chamado de santo das causas impossivéis. em seu quarto, ela construiu um pequeno oratório, onde os santos de missões mais dramáticas, encontravam-se em uma reunião de tantos santos. e ela conversava com todos, todos os dias. mas Santo Antônio era especial. tinha um mesmo nome que o dela, só mudava a vogal final. era devota daquele santo e não desistiria de seu pedido.
para a festa junina daquele ano, Antônia mandou fazer um vestido novo. de tecido leve e com renda nas bordas. colocou um sapato de salto baixo, porque queria dançar e mostrar seus dotes artisticos. penteou o cabelo e deixou os fios brilhantes e soltos ao vento. e dentro de sua bolsinha, Santo Antônia também iria. e lá se foi com a família para a praça matriz.
a festa reuniou toda a cidade e até moradores da cidade vizinha. era tios e tias, parentes que há tempos não via. começou a dançar com seus irmãos, depois com os primos, depois com os amigos dos primos. afinal, havia homens solteiros ali, mas será que algum pretendente para casar? dançou a noite inteira. bebou e comeu pouco. seu objetivo era ficar perto da pista, para dançar com a maior quantidade de homens que pudesse. um deles teria de se interessar por ela!
mas nada. já no final da noite, nenhum rapaz, além da dança, havia se aproximado dela. e sua aflição já crescia. ela tirava Santo Antônio da bolsa e vendava seus olhos, tirava a criança do colo, o colocava de ponta cabeça e até o ameaçou de descrença. e a festa seguia para o fim. os brinquedos da barraca de pesca já haviam sido pescados. o padre já estava sentado com as pernas esticada e com a boca aberta. as comadres encostavam-se de sono. e a noite chegava ao fim.
Antônia começava a ficar com tanta raiva que, em um segundo, tirou Santo Antônio e, dizendo-lhe injúrias, arremessou-o para trás de si, sem perceber que, aquele gesto de raiva, acertara alguém. quando ouviu o barulho, olhou para trás e viu que um homem caira no chão. correu em sua direção e, ajoelhando-se, pediu mil desculpas e começou a chorar de vergonha. o rapaz, ainda zonzo, levantou o corpo do chão e olhou para Antônia e para o Santo em suas mãos. perguntou porque ela arremessará o Santo e, ainda em prantos, explicou sobre sua aflição. o rapaz riu e disse que aquilo seria coincidência, porque a olhou durante toda a noite, mas não teve coragem de lhe dizer um olá.
Antônia sorriu e foi dançar a última música com o rapaz e ainda com Santo Antônio em mãos.
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*imagem de mariana massarani.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

para um flor.

- sam, meu pai foi embora.
você me diz isso e o que digo é o silêncio. as palavras me fogem e o que sinto é uma imensa vontade de te abraçar e dizer "força amiga".
eu sei que não há nada que irá te confortar nessa hora, mas quero dizer que intuo força nessa caminhada que teu pai irá realizar. ele irá para o lado do desconhecido, onde a vida se resume a essência da alma, onde os mistérios são ditos, onde o tempo não é contado pelas horas, onde tudo é refletido.
flor, ele teve uma vida intensa e bem vivida. viajou para os lugares que quis, casou com uma mulher que amava e que o amou também. teve dois filhos e nunca deu limite para essa vida. ele te amava e se orgulhava de ti. sabia que a sua filha moleca era louca por futebol como ele, que não levava bronca para casa e que era por si, de uma personalidade fantástica. você é resultado dele. desbravadora de rumos, sem síntese. somente por completo.
agora o que ficará é a ausência. mas pense sempre na presença dele e que o mesmo estará contigo. você veio com a missão de continuar o lema de vida dele: viver e somente e tanto.
abraços e imensa força para continuar.
Sam.


ps: para Thaís Fincatti, companheira de tantas coisas.

sábado, 12 de junho de 2010

sexta-feira, 11 de junho de 2010

alguns jás - II

por Aislan Munin.
Já perdi um amor por medo de amar,
Já amei demais por medo de perder.
Já achei que amava, mas só dependia.
Já tive ciúmes, já reclamei de saudade.
Já confundi amor com amizade.
Já dormi muito tempo só.
Já passei noites acordado pensando em amor.
Já chorei demais,
Já quis demais.
Já me doei demais,
Já vi amores nascerem de paixões,
Já vi paixões acabarem com amores.
Vi a tristeza nos olhos de uns,
Via a beleza nos sorridos dos outros.
Já amei quem não deveria, quem não retribuia.
Já amei de muitas formas e cores.
Já me esqueci de muitas dessas dores.
Já pensei em sumir,
Já pensei em voltar e ficar.
Mas a única certeza que tenho hoje
É de que ainda tenho muito amor para amar.
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Aislan, grata por ser tão presente em meu cotidiano!
Meu abraço manda beijos de saudades!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

o ego de Lena.

ela já não era jovem. tinha mais de meio século de idade, três filhos grandes, um marido falecido e um ego maior que ela. sua estatura era mediana e a aparência de uma senhora moderna, sem jeito de avó. aliás, avó ela não era. seus filhos, apesar de grandes, não tinha filhos. assim, ela ainda vivia para mimá-los. nasceu em uma cidade de interior, daquelas pacatas, onde poderia se andar de bicicleta e conhecer a cidade em 20 minutos. era filha mais velha, de três moças, de um ferroviário e de uma costureira. fez o primário em escola de freira e saiu de casa quando alcançou a maioridade. casou-se pouco depois, com o pai de seus três filhos.
por mais que Lena parecesse de extrema confiança, havia algo no sorriso simpático que deixava alguns com o pé para fora. seu maior passatempo? falar mal dos outros ou inflamar seu ego. para tudo havia uma reclamação: se o motorista estacionava o carro errado, se o restaurante estava cheio, se fulana usava roupa que ela não aprovava, se a atendente da papelaria sentava à porta para tomar uma brecha de sol, se as pessoas liam dentro do ônibus... para tudo havia uma reclamação. ou sempre que conversava com alguém, gostava de contar algum detalhe de sua vida, mas sempre ressaltando que era diferente: sempre foi a mais inteligente das irmãs, sempre foi uma mãe despojada, uma vizinha atenciosa, uma funcionária exemplar, uma mulher culta.
o que Lena não percebia era como se tornara uma presença desagradável. a moça que trabalhava com ela, e que lhe fazia companhia durante o almoço, já não aguentava mais aquela ladainha. quando Lena olhava algo com mais atenção, a moça já percebia e direcionava o pensamento para outro lugar. talvez Lena não percebesse, mas era evidente que já não havia interesse algum.
numa tarde de agosto, enquanto voltava do almoço para o escritório, Lena observou uma moça caminhar em sua direção. a moça era de porte grande, no linguajar gentil "fofa". usava uma roupa justa ao corpo e deixava a marca de seus excessos transparecerem. quando Lena viu aquilo, fixou o olhar e sua língua afiada começou a resmungar. só que, com a atenção voltada para a moça que passara, ela não viu o carro que vinha, em alta velocidade, em sua direção.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

alguns jás.

eu amei entre um homem e mulheres.
declamei amores, em diferentes intensidades.
já disse "eu te amo" só para levar para a cama.
já tomei porre e porre de amor.
já trepei na rua, dentro do carro,
na casa de outras pessoas e com pessoas na sala.
já tomei alguns aditivos proibidos.
já pensei que estava grávida.
já pensei que não quero ter filhos.
já pensei em largar tudo e sair pelo mundo,
mas descobri que meu mundo é aqui.
hoje estou como estou.
e sei que amanhã será melhor.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

triste fim de um pim.

fim de maio e se perguntava o que havia acontecido com seu calendário. os seus dias se tornaram corredores de maratoras e só o que poderia fazer era sentar e olhar para aquele desperdício. numa esperou nada, não esperava nada e não esperaria nada mais do que era o nada de ontem. tudo se reduzira ao zero, ao ponto onde ela olhava para o relógio e contava os minutos para chegar em casa. e não era somente o calendário ou o relógio que já não experimiam conjuntura alguma com seu tempo bio-psico-moral. havia deixado os chinelos em algum canto e não mais os achou. talvez tenha deixado na casa de alguém ou o cão tenha feito festa de sua desatenção.
tudo já não passava de um efeito cômico da "obra divina" ou do marasmo do autor que escreveu essa vida. parece que esse enredo não enrola nem desenrola, mas que fica fazendo firulas sem sair do lugar. não se chega ao fim, mesmo porque não se deixou o ponto de largada. está lá. sentanda em uma mesa de madeira, com um olhar vago e o cigarro que queima sozinho. vivia disso. de espasmos de vida que insulavam os pulmões e faz o coração pulsar, no tempo de um arpoador.
o ápice de sua melancolia era vivida quando a porta do apartamento era aberta e o ranger do piso de madeira ecoava pelo lugar, denunciando que não havia ninguém mais lá, do que ela e sua solidão nostálgica. tudo era uno: cadeira, sofá, talher, copo, prato. tudo se reduzia em quantidade de um só objeto, na afirmação de que não haveria esperanças ou tentativa descompassadas de ampliação daquele lugar.