Antônia era moça do interior. nasceu, cresceu e se educou como antigamente. era moça de respeito e de boa família. passava os dias em casa com sua mãe ou estava sempre na paróquia da cidade ajudando o padre e as outras mulheres com os preparativos das festas. era moça zelosa, cuidava dos irmãos e dos sobrinhos. pois é, Antônia era tia de três meninos: Zeca, João e o Toninho. mais arteiros na cidade não tinha. mas ela era uma tia protetora. já eram tantos os curativos e remédios nos ralos da pele deles, que nem sabia mais quantos fizera. Antônia era moça nova. não tinha mais que 20 anos e já pensava em casamento. naquela cidade, moça com 25 anos que não casou, já era cargo de titia. e isso era o que ela mais temia. era, de praxe, que todo começo do mês de junho, lá iria Antônia para a igreja com o Santo Antônio nas mãos, feito ouro. ajoelhava-se e rezava durante horas. sem contas as inúmeras promessas feitas, mas sem retorno do santo. os joelhos haviam feito cicatriz das tantas vezes que ali estivera, em fé ao santo, para um marido. e não era só à Santo Antônio que ela apelava, já tinha feito até promessa para Santo Expedito, chamado de santo das causas impossivéis. em seu quarto, ela construiu um pequeno oratório, onde os santos de missões mais dramáticas, encontravam-se em uma reunião de tantos santos. e ela conversava com todos, todos os dias. mas Santo Antônio era especial. tinha um mesmo nome que o dela, só mudava a vogal final. era devota daquele santo e não desistiria de seu pedido.
para a festa junina daquele ano, Antônia mandou fazer um vestido novo. de tecido leve e com renda nas bordas. colocou um sapato de salto baixo, porque queria dançar e mostrar seus dotes artisticos. penteou o cabelo e deixou os fios brilhantes e soltos ao vento. e dentro de sua bolsinha, Santo Antônia também iria. e lá se foi com a família para a praça matriz.
a festa reuniou toda a cidade e até moradores da cidade vizinha. era tios e tias, parentes que há tempos não via. começou a dançar com seus irmãos, depois com os primos, depois com os amigos dos primos. afinal, havia homens solteiros ali, mas será que algum pretendente para casar? dançou a noite inteira. bebou e comeu pouco. seu objetivo era ficar perto da pista, para dançar com a maior quantidade de homens que pudesse. um deles teria de se interessar por ela!
mas nada. já no final da noite, nenhum rapaz, além da dança, havia se aproximado dela. e sua aflição já crescia. ela tirava Santo Antônio da bolsa e vendava seus olhos, tirava a criança do colo, o colocava de ponta cabeça e até o ameaçou de descrença. e a festa seguia para o fim. os brinquedos da barraca de pesca já haviam sido pescados. o padre já estava sentado com as pernas esticada e com a boca aberta. as comadres encostavam-se de sono. e a noite chegava ao fim.
Antônia começava a ficar com tanta raiva que, em um segundo, tirou Santo Antônio e, dizendo-lhe injúrias, arremessou-o para trás de si, sem perceber que, aquele gesto de raiva, acertara alguém. quando ouviu o barulho, olhou para trás e viu que um homem caira no chão. correu em sua direção e, ajoelhando-se, pediu mil desculpas e começou a chorar de vergonha. o rapaz, ainda zonzo, levantou o corpo do chão e olhou para Antônia e para o Santo em suas mãos. perguntou porque ela arremessará o Santo e, ainda em prantos, explicou sobre sua aflição. o rapaz riu e disse que aquilo seria coincidência, porque a olhou durante toda a noite, mas não teve coragem de lhe dizer um olá.
Antônia sorriu e foi dançar a última música com o rapaz e ainda com Santo Antônio em mãos.
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*imagem de mariana massarani.