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quinta-feira, 10 de junho de 2010

o ego de Lena.

ela já não era jovem. tinha mais de meio século de idade, três filhos grandes, um marido falecido e um ego maior que ela. sua estatura era mediana e a aparência de uma senhora moderna, sem jeito de avó. aliás, avó ela não era. seus filhos, apesar de grandes, não tinha filhos. assim, ela ainda vivia para mimá-los. nasceu em uma cidade de interior, daquelas pacatas, onde poderia se andar de bicicleta e conhecer a cidade em 20 minutos. era filha mais velha, de três moças, de um ferroviário e de uma costureira. fez o primário em escola de freira e saiu de casa quando alcançou a maioridade. casou-se pouco depois, com o pai de seus três filhos.
por mais que Lena parecesse de extrema confiança, havia algo no sorriso simpático que deixava alguns com o pé para fora. seu maior passatempo? falar mal dos outros ou inflamar seu ego. para tudo havia uma reclamação: se o motorista estacionava o carro errado, se o restaurante estava cheio, se fulana usava roupa que ela não aprovava, se a atendente da papelaria sentava à porta para tomar uma brecha de sol, se as pessoas liam dentro do ônibus... para tudo havia uma reclamação. ou sempre que conversava com alguém, gostava de contar algum detalhe de sua vida, mas sempre ressaltando que era diferente: sempre foi a mais inteligente das irmãs, sempre foi uma mãe despojada, uma vizinha atenciosa, uma funcionária exemplar, uma mulher culta.
o que Lena não percebia era como se tornara uma presença desagradável. a moça que trabalhava com ela, e que lhe fazia companhia durante o almoço, já não aguentava mais aquela ladainha. quando Lena olhava algo com mais atenção, a moça já percebia e direcionava o pensamento para outro lugar. talvez Lena não percebesse, mas era evidente que já não havia interesse algum.
numa tarde de agosto, enquanto voltava do almoço para o escritório, Lena observou uma moça caminhar em sua direção. a moça era de porte grande, no linguajar gentil "fofa". usava uma roupa justa ao corpo e deixava a marca de seus excessos transparecerem. quando Lena viu aquilo, fixou o olhar e sua língua afiada começou a resmungar. só que, com a atenção voltada para a moça que passara, ela não viu o carro que vinha, em alta velocidade, em sua direção.

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