textos de própria autoria, de própria vida. minha vida, sua vida, nossa vida.



sexta-feira, 24 de setembro de 2010

chuva da primavera

é a primeira chuva da primavera que assola a cidade. é uma chuva fina, que oscila entre as finas gotas e uma leve tempestade. é a primeira chuva da primavera de 2010, onde a água escorre das nuvens com um fim já esperado: o chão sujo, passando por nuvens cinzas e pela camada poluída. são os dias quentes que transformam a tarde em fria. são os dias em que a incerteza sobre o clima se mistura com as incertezas da vida.
é a primavera, dona das contradições existentes. são árvores que brotam seus primeiros sinais verdes de vida, depois de um inverno escasso e pouco colorido. o pouco estava ligado as flores insistentes de algumas árvores que querem exclusiva atenção para seus galhos. assim como nossas vidas, que pedem atenção para pequenas demonstrações de beleza e, durante o resto do ano, passa batido, como uma flor de cactos. sem cor ou gosto aos olhos, somente lembradas quando se tornam necessárias para a vida.
a vida natural está ligada, indiretamente, a nossa vida natural. somos brotos de árvores que teimam em brotar, em meio à uma sabatina de negações. somos acalorados pelo orgulho e necessidade de ego, em florir.
os amores, tais como as flores que brotam nas árvores da primavera, e quem sabe do verão, são expectativas meras do acaso, no toar da morte premeditada pelo tempo. como as flores, os amores são cultivados em pequenos brotos singelos e, se não cuidados, não florescem. e se não cuidados, morrem com o prelúdio do outono. mas, os amores bem ponderados, assim como as flores, deixam as pétalas cairem. mas com as raízes imperiosas, que não passaram, com a próxima estação.

domingo, 19 de setembro de 2010

cartas marcadas.

as cartas já foram dadas e você não percebeu quando estava com o jogo nas mãos. você não percebeu que a carta que daria o lance final estava no meio do monte de outras cartas, bem embaixo do seu nariz. você olhou as cartas, chegou a cogitar a estratégia perfeita, mas desistiu nos minutos que poderiam ter antecedido nossa vitória, gloriosa vitória. você entregou a jogada, eu resolvi sair da competição.
isso não foi algo que eu estipulei mas, que você, fez com que acontecesse e que as coisas se perdessem sem que houvesse chance de blefe. as cartas estavam com você e eu esperei o momento certo de fazer o all-in. mas você hesitou e nós perdemos. feito dois amadores de baralho barato jogado em boteco de esquina.
nós perdemos e a culpa não foi minha. fou sua.
*all-in: em jogadas de pocker, é identificada como "apostando tudo".

terça-feira, 14 de setembro de 2010

ron ronar matinal.

ela chegou pequena, com três meses de vida. se escondia entre as cobertas e fugia para dentro do sofá sempre que podia. miava pouco. tem uma voz rouca e fina. mia quando quer comida, quando quer afago na barriga. passa o dia dentro do armário, dormindo sobre o quentinho dos lençóis. quando ouve a porta de entrada abrir, sai calmamente, sem pressa alguma, de sua toca diária. espreguiça seu corpo mole e eleva o rabo às alturas. não pode ver um fio de cetim ou um colar pendurado. estende as patinhas para apanhar o que lhe parecer engraçado. dorme em cima de quem estiver na cama ou debaixo do edredom, com a cabeça apoiada no braço de quem acolher. abre os olhos bem cedo e acorda quem tiver sono leve. caminha até o banheiro e senta o bumbum em sua caixinha de areia. parece meditar. e quando se olha, em seu momento de intimidade, faz cara de deboche.
não há roupa que não tenha um pêlo dessa felina. não há centímetros da casa que não se perceba a presença dessa gatinha. não se pode mais comer na mesa que ela quer degustar também. não se pode tomar banho, que ela adentra o box e deita como se quisesse brincar. quando não traz sua bolinha com guizo para jogar.
se deleita pelo chão, pela cama, por todo o lugar.
=^.^=

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

pouco inteligível

já não sei a última vez em que vi teu rosto sorrir. perdi as datas exatas dos dias que tomavamos café e conversavamos por horas até decidirmos ir para sua casa. e lá, antes de fazer amor, deixavamos os pensamentos percorrerem os centímetros quadrados de cada pedaço de sua casa. era o espaço onde você guardava seus segredos, seu corpo, seu sono. era o lugar em que eu mais amava. o lugar de tua vida. não queria viver sua vida de forma alguma, mas gostava de ser a platéia única de alguns espetáculos que você fazia. não, não era egoísmo, era voyerismo misturado com um pouco de excitação por cada movimento que seus braços ou suas pernas faziam em torno do ar. quando esse, era um mero coadjuvante de sua cena. assim como o sol, que somente tinha por finalidade iluminar o seu rosto para demonstrar o sorriso.
foram tantos dias assim que, quando as cortinas fecharam, tudo se perdeu como se não houvesse estado naquele lugar. era como se eu tivesse sonhado e nada mais. como se todas as lembranças fossem um joguete de ilusões. eu perdi as lembranças doces e amargas que vieram com as lacunas que a memória produziu. os bons momentos, os beijos, os olhares, ficaram em alguma fresta escura e fria, bem próxima do fim do abismo. no fundo, para não retornar a superfície. as cartas foram desfeitas pelo tempo, onde a tinta se tornou um borrão feio e pouco inteligível. você me disse que as coisas passam, que a vida é feita de pessoas que vem e vão, mas que deixam marcas para a vida toda. pois bem. as marcas que deixastes já fizeram sangrar dores tão profundas que nem as lágrimas puderam rolar. dores tão enlouquecedoras que beirei a insanidade e a morte para tentar fugir das lembranças.
hoje elas fazem parte de um conjunto de lacunas do tempo. sem espaço para novas lembranças daqueles tempos.