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sexta-feira, 18 de março de 2011

triste fim.

quando Policarpo Quaresma descobriu o triste fim que teria, era uma noite chuvosa e seu rosto não demonstrava nenhum sinal de alegria. abriu uma garrafa de vinho tinto suave, acendeu um cigarro e debruçou-se sobre sua solidão. sentia-se só, mesmo envolto a pessoas que o sentia apreço, era de uma solidão tão única, que pensou já não haver mais tempo para as nostalgias ou meias declarações a um mundo que não o tolerava. decidiu, por fim, que seria o seu próprio fim a solução de sua angustia e de suas imperfeições humanas. vagou pela cidade como sinal de uma despedida silenciosa. onde as pessoas, sempre falantes sobre coisas tão imprudentes, passavam por ele como a um homem invisível.
sua solidão não era visível aos olhos humanos? ou somente sofria de algo teu e, tão seu, que não era visível para os demais? tomou por decisão caminhar entre as gotas que caiam do céu, tornando a noite fria, tal como seus pensamentos. o casaco velho que protegia as gotas que arrepiavam sua pele era tão velho quanto à ideia de um amor plausível para superar sua solidão. mas já tentara tantas outras vezes, que se sentia fraco para tentar cortejar alguém e se tornar ouvinte dos problemas alheios. essa era a falta que lhe cabia. falta de paciência para as pessoas que despejavam sobre sua paciência palavras tão petulantes como um monte de formigas mergulhadas numa poça d´água.
caminhou pelas ruas até achar uma cafeteria. o que precisava era sentar em uma cadeira, tomar um café e sentir o gosto amargo, sempre amargo, de um café levianamente companheiro. mergulhado nas lembranças passadas, presentes e lembranças que ainda não havia vivido e que decidira não viver. entornou um gole do seu café já frio e caminhou de volta para sua casa. a chuva já cessara e não fez questão alguma em desviar os passos das poças d´água.
entrou em sua casa e caminhou até o banheiro. abriu a torneira de água quente da banheira. tirou suas peças da roupa molhada que vestia e congelava seus ossos. foi até a cozinha, pegou a garrafa de vinho tinto que já estava pela metade e voltou para o banheiro. pausadamente, mergulhou o corpo na água até molhar os cabelos. retornou à superfície, tomou mais um gole do vinho no gargalo e acendeu um cigarro. seus pensamentos vagavam para algum lugar que ele não conseguia identificar, além da sonoridade silenciosa que invadia sua casa, seu corpo e sua mente. bebeu de mais um gole do vinho, fumou mais um cigarro e mergulhou mais uma vez o corpo na banheira. e não retornou à superfície.

2 comentários:

  1. É impossível não ter empatia por este personagem. Existe uma solidão que se solidifica quando você perde os por quês, o sabor pela vida. Nem conselho sincero, ombro amigo ou abraço apertado consegue dissolver essa barreira que se cria entre "Policarpos" e todos os outros. Angustia crescente e unica vontade que dá é a de partir...

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  2. Somos nós... os melancólicos de sempre... de ontem e de hoje... os que não se enquadram e nem quererem...
    Os que não, por ter um tempo interno diferente, necessitam fugir do convite da eterna festa da modernidade... onde só a legria justifica... o sempre bem-estar.
    Beijo grande Sam,

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