já perdera a noção de quantas vezes havia tirado aquele gancho do telefone e discado os primeiros números... eram números conhecidos de anos, que nunca conseguiu esquecer. por vezes, sem querer mesmo, discava aqueles números e só depois do primeiro toque, se dava conta de que estava equivocada.
pousou o telefone na mesa novamente. acendeu um cigarro e começou a andar pelo apartamento. de um lado para o outro, deixando o tapete fora de lugar, enquanto deixava seus pensamentos correrem sobre aquela ligação. "alô, oi, sou eu. liguei pra saber como você está. é que sonhei contigo ontem a noite e dizem que quando você sonha com alguém, é sinal de que a pessoa está querendo falar contigo...". putz, se eu disser isso, vou ouvir uma risada amarga. melhor não. melhor não dizer nada. e se eu ligar e só ouvir a voz? ou se colocar uma música de fundo, aquela música que logo irá sacar que sou eu, mas sem dizer que sou eu? mas e se tiver bina no telefone? logo vai saber que sou eu...
o medo poderia ser maior do que a saudade de escutar aquela voz. tinha receio de receber chacóta ou apenas educação, sem alegria alguma. pensou em mandar um e-mail, mas sabia que demoraria para ser respondido e que seria tão ríspido, que nem arriscava. pensou em comprar um cd´s no aniversário e deixar na portaria do prédio, mas imaginou que não receberia nem um telefonema de agradecimento pela lembrança. acabou resolvendo não mandar nada. apenas lembrou da data.
sentou no sofá, com o telefone na mão. acendeu outro cigarro, tentando manter a tranquilidade e torcendo para a voz não lhe falhar naquele momento. pensou sobre a ligação. mas e se eu ligar e não tiver nada mais do que "estou bem obrigada e espero que você também. tchau." certamente morreria de vergonha. mas vergonha consigo mesma, por ter ligado e recebido isso. ficou imaginando o mal estar que seria caso encontrasse na rua. seria aquele sorriso sem graça, que tem gosto de coisa morna, e cabeça baixa, com os pés acelerados, a fim de não ter uma conversa. essa imagem fez pensar nas vezes que se encontraram sem querer. quando os rostos foram virados para não se entreolharem. até quando seria assim? e por quê seria assim? haveria um contrato social pré-concebido dizendo que ex-amantes não devem se falar mais? que devem evitar qualquer contato visual? ficou pensando nisso enquanto o gato brincava com as pontas do tapete levantado. olhou para o gato e viu a mandala desenhada em suas costas. o felino lhe era a melhor companhia para aquela dúvida.
depois de três lambidas do gato, pensou em por quê ligar. quis lembrar quando foi a última conversa e sobre o que prosearam. nesse instante, onde quase perdeu a sanidade, pensou em qual o motivo maior desse seu passo. ou por quê esse passo deveria ser seu. hesitou. respirou. acendeu outro cigarro. pegou o telefone e discou... "alô, Malu? sou eu! tô meio de bode aqui em casa e queria sair um pouco. bora?". se levantou e foi se arrumar para sair.
resolveu que ligar seria rebaixar o orgulho que, por mais desumano que seja esse sentimento, ele acabara de lhe tornar mais humana...
resolveu mandar para o inferno aquele número, juntamente com quem diria alô.
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