nunca gostou de sentir aquela sensação. parece que o chão lhe faltava, que o corpo cairia sem eira ou beira, que a cabeça giraria feito roda gigante em parque de diversão. seu corpo não tremia, mas parecia que iria ceder como um prédio em demolição. seus olhos lhe enganavam sobre aquilo que via e seus sentidos agiam conforme posição de defesa. queria seguir adiante, mas algo lhe impedia de dar o próximo passo ou virar-se para o lado. estava estática, sem movimento que lhe tirasse daquele lugar. esperava por alguém conhecido para lhe salvar daquela sensação, mas todos passavam despercebido e se faziam cegos sobre seu mal estar.
nova onda de tontura. senta no chão. leva a mão à cabeça. tem um leve desmaio em meio à multidão que não lhe vê.
acordara. mas percebera que ainda nem dormira. eram 4h e seus olhos permaneciam sem qualquer movimento de leveza. eram 4h e não havia ninguém que pudesse lhe fazer companhia naquela madrugada. pensou em seus remédios e lembrara que um amigo, em ataque de preocupação, resolveu tirar a cartela que carregava na mochila e jogara no lixo. amitriptilina, diazepan, novalgina, dipirona, nada para lhe dar uma boa noite de sono. pensou também na c. indica, mas era tarde da noite para sair na rua a fim de usufruir desse relaxante. sua caixinha de cigarro estava vazia e não haveria lugar para comprar aquela hora. ligou a televisão e não havia um filme que lhe chamasse atenção. e nem podia ficar fazendo barulho àquela hora. não morava sozinha e se acordasse alguém, sabia que resmungariam sobre sua insônia. e quem poderia compreendê-la se, mesmo ela, não entendia o que acontecia com seu corpo nessas noites onde o sono lhe fugia, por mais que o cansaço fosse latente. parece que a cabeça girava à mil por hora e não conseguia desvincular os pensamentos que gritavam por atenção. "cá estou. me solucione!". o que tanto sua cabeça batutava que não a deixava dormir? nem podia se lembrar! se lembrasse, mataria o que lhe causava essas noites mal dormidas. nem o livro do Kundera que estava lendo naquele dia lhe trazia sonolência. indagava sobre um deus e perguntava sobre a presença de qualquer entidade para conversar. porque se sentia tão só durante a madrugada? pensou nos homens que procuravam as garotas da noite. talvez, nem fosse pelo sexo em si mas, quem sabe, para ter companhia durante algumas horas de uma noite mal dormida. o que o sexo, em si, poderia proporcionar? fora o cansaço físico, o fato de orgasmar não lhe indicava sono. parecia que mais lhe despertava e lhe deixava o gosto de querência por aquele sentimento. como pegar no sono?
eram 6h30 quando seus olhos piscaram.
às 7h30 quando acordou para trabalhar ao som do despertador.
Para você que pagou os impostos, não atrasou um dia só seu carnê das Casas Bahia, pagou o dízimo da sua Igreja, a escola dos seus filhos, o aluguel da casa, o IPVA do carro e o seguro, fez sua inscrição na Nota Fiscal Paulista, colocou crédito ainda esse mês no bilhete único por conta do aumento do próximo ano. Você que obedeceu as leis e ainda levou alguma multa, quero lhe desejar um feliz natal! Que seu pernil não tenha sido tão caro e que ninguém vomite no seu tapete! Que as crianças não quebrem a árvore de natal antes da meia noite e que sua avó não fique recolhendo os papéis de embrulho para reaproveitar! Que a noite de Natal seja comemorada com as pessoas que mais lhe importam e que, nessa noite, você possa esquecer quem é e, se der sorte, voltar para casa sem sua peça íntima! Boa noite de comilança! Atenciosamente.
quero falar sobre as estrelas para alguém que não conheço. quero ter sentimentalidades e até amor ou reações afetivas sem mazelas, sem casos ou descasos. quero escrever poemas melosos, daqueles que os maiores poetas falaram de amor. quero sentir paixão e amor ao mesmo tempo mas, acima de tudo, que fosse algo que durasse, sem mágoas ou empecilhos que causassem desgaste. quero sentir o frio na barriga e o gosto de um beijo novo por alguém que deixe sua marca em meus beijos, sem que haja desejo pelo beijo de outra pessoa. quero partilhar do que é meu, mas sem que se torne só eu. quero conhecer o que é do outro e poder desfrutar desses dois mundos. quero prosear sobre sensibilidades, sobre romanceios, sobre chacótas ou balelas que causem interesse e não só inúteis palavras. quero sentir que o amor é para todos porque ele é belo e não deve ser temido. mas quero ter o que sinto e só disso, sustentar um ínfimo de coisas passadas, presentes e futuras. quero falar do que é essencial para meu ser, mas ouvir e ter prazer em ouvir o que é do outro. quero gozar das alegrias e das tristezas sem temer por julgamentos ou lacunas espaciais entre os dois corpos e os dois pensamentos. quero ter força para tentar de novo. e, se não for viável, que venham as próximas.
- achei que você não havia reparado na minha presença.
era uma paixão nova, daquelas que lhe tira o folego só de sentir ou pensar. não sabia o quanto duraria e, de certa forma, sabia como suas sentimentalidades fugazes lidavam com isso. e, ao mesmo tempo, adorava aquela epifania de espera por qualquer sinal de agrado. já lhe era tão passado essa sensação que mal se reconhecia agora, no mesmo sentido que lhe causava certa ânsia aquele toque de momentaneidade. dizem que paixões duram o tempo de uma estação climática. se passar disso, é amor. mas o amor não lhe deixava lá contente. trazia algo morno, parado e sem tempero. paixão sim, tem todo aquele gosto de coisa nova. misto de sedução com gestos acalorados. quando as pernas bambeiam e o coração entra em disritmia e a vontade de o tempo parar para todos e seguir em lentidão para a outra pessoa e você é o que mais almeja. quando o beijo é dado entre o canto da boca e a vontade de, discretamente, escorregar os lábios para que um beijo aconteça. quem sabe depois desse outro, outro, outros... mordia os lábios toda vez que pensava nisso e já não sabia se pensava em outra cousa senão nos lábios, no sorriso, no jeito que o cabelo mexia com o dançar do corpo, com os simbolismos que eram deixados à vista para que não houvesse duvida. sentia um arrepio pelo corpo que lhe causava moleza quando cruzava os olhos despercebidos. no sentido que queria, poderia olhar para aqueles olhos que pareciam tão profundos que poderia buscar em seus círculos inspirações para escrever sobre o tempo e o vento, sobre amores e dores, sobre música e poesia, sobre a vida e tudo o que aqueles olhos escondiam por trás de uma pequena vidraça emoldurada em acrílico. o que aqueles olhos poderiam lhe mostrar? o que aqueles lábios queriam lhe provar (ou tentar)? o que aquele corpo lhe chamaria para dançar?
estava ali, sentada na mesa do bar, com um copo de cerveja na mão que deixava marcas na mesa. estava sozinha, como se esperasse alguém ou se esperasse eu me aproximar para puxar papo. vestia uma camiseta com um desenho bobo, uma calça jeans e tênis. parecia não ser daquelas redondezas, mas sempre a via por ali. fazia careta toda vez que bebia do conteúdo do copo. puxava o cabelo para trás. respirava fundo e tomava mais um gole. poderia ficar fazendo aqueles movimentos por diversas vezes. e eu poderia ficar ali, apreciando aqueles movimentos que faziam minha boca secar toda vez que o copo aproximava da boca. ela olhava para os cantos, para o relógio. os badulaques no pescoço balançavam segundo a dança que seu corpo fazia quando se mexia. ela sacodia o pé impaciente. puxava os fios do cabelo teimoso que insistiam em esconder seus olhos. e sorria para o fundo do copo para olhar os dentes. ela pede outra garrafa. ela faz outro brinde. ela beija o copo. minha boca seca. caminho sentido sua mesa. ela levanta os olhos. ela sorri. eu sorriu. ela diz: