- seria masoquismo persistir em algo que não tenho fé nenhuma? disse ela ao vê-lo saindo pela porta com suas malas. ele se vira e, no último momento que os dois se entreolham, no momento em que as cores fogem e que nada mais pode ser feito, ele diz - "que o amor que você sente por mim é puro e admiro isso. mas existem imperativos categóricos que nos separam". ele fecha a porta e se vai pela rua.
ela lança seu corpo no sofá azul que haviam ganho de presente, quando foram morar juntos. ela olha para o gato que havia comprado no dia em que conseguira o novo emprego. olhou para a estante onde estavam as fotos dos anos juntos. ou será que o tempo foi rápido demais, mas sentido como anos?
o telefone toca, mas ela não faz menção alguma em atender. a secretária eletrônica ativa o viva-voz e ela ouve a voz dele: "tudo o que vivemos foi bom demais. por um tempo, fui feliz, assim como você também o foi. mas acho que esse tempo passou rápido demais para nós. eu esperei mais". ela se sentiu um lixo. dedicara tanto de seu amor, seu tempo, sua criatividade para estar com ele e não teve consideração alguma de retribuição.
ela caminha pelo apartamento; já não sabia quanto tempo havia passado. vai até a janela do quarto, no oitavo andar, e olha para baixo. pensa que tudo chegara ao fim de sua vida. que não haveria sentido continuar persistindo em um pensamento da qual ela não fazia mais fé alguma...
o gato se enrola em suas pernas e ela chora. chora como nunca chorou. chora como se houvesse alguém para ouvir suas lamúrias ou pragas. pega seu casaco e vai para a o bar espairecer as idéias. bebe sozinha no balcão mais frio que já sentira.
volta para casa, apenas com seu gato para lhe acariciar. olha para os quadros na parede, para as fotos no mural, para os bilhetes na geladeira. ela pensa em morrer. abre o armário do banheiro, aquele mesmo banheiro em que estivera com ele, abre um frasco de remédio, toma os comprimidos com um copo dágua e vai para a cama. - será que errei em o querer mais essa vez? será que foi só mais dessa vez?
é inundada por uma compulsão de dúvidas sobre o futuro. invadida por um desejo de que aquilo fosse somente outro pesadelo, mas no momento em que abrisse os olhos com o som do despertador comprado no natal, ela o veria com seus cabelos desgrenhados dormindo ao seu lado.
ela pegou no sono. e não mais acordou.
.ao som de billie holiday.
deveria ser... ela pegou no sono, e no dia seguinte acordou pra vida, e cada dia que passou, foi diminuindo a dor terrível que é perder alguém que se ama. Mas ela descobriu que antes de amar alguém, amamos a si próprio.
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