Léia era uma moça que se enquadraria no modelo de mulher perfeita: filha, irmã, esposa, amiga e professora dedicada à todos. Gostava de elogios sobre sua doçura e simpatia. Era a pessoa daquelas que se gosta só de olhar.
Era irmã de duas mulheres e um homem. Era tia de algumas sobrinhas. Na escola, era a tia dos bebês. Com eles, seu linguajar mudava: parecia criança falando e se esquecia de que, fora de lá, ela deveria se portar de outra maneira.
Léia tinha um jeitinho que ninguém nunca dizia não. Ela tinha o olhar, o sorriso e a cabecinha de lado que derreteria qualquer coração de gelo, por mais frio que fosse. Era do tipo mãezona: cuidava de todos, se preocupava com cada detalhe, mesmo que desnecessariamente, ela acalorava todos com sua doce atenção e nunca recebia um não para nada.
Pele morena, corpo que despertava a atenção de todos os homens. Passava sempre acanhada mas, no fundo, gostava que eles assobiassem para ela. Mexia com seu ego, com sua vaidade. Seus cabelos tinham as pontas enroladas, mas ficavam em perfeita arrumação com o balançar do vento.
Era casada com o único homem que beijou, namorou e transou. Casaram segundo manda o figurino: igreja, véu e lágrimas. Foram morar juntos em uma casa simples, com quintal e um pequeno jardim, onde foram avisados sobre a presença de ratos naquela região. Mas o que Léia queria era a casa dela.
Quando o marido a procurava durante a noite, ela resmungava, dizia que estava cansada e que tinha dor de cabeça. O sexo, para ela, tinha de ter as preliminares. Preliminares constituídas de: passeio, jantar fora e filme na cama, só assim, ela daria para ele. Se não o fosse, não daria o que ele tanto queria. E ela reclamava para as amigas e dizia que, quando ele não a procurava, ficava feliz. O que ela queria mesmo, era alguém para encostar a noite e dormir abraçadinho. Se não tivesse o sexo, melhor.
O tempo passou. O filho não veio. A casa nova não veio. Coisas novas não vieram. Quase tudo continuava igual. Uma coisa mudou: o marido. Ele havia arranjado uma amante. Uma mulher fogosa, que topava tudo e a qualquer hora. Ele não precisava bajular para conquistar.
Léia percebeu a mudança do marido, percebeu que as roupas dele mudaram. Percebeu que o encontro com os amigos não era mais só aos sábados para o futebol, mas havia se estendido para o pós-futebol ou happy hour de sexta-feira.
- Benzinho, tem alguma coisa acontecendo que você queira me falar?
- O quê Léia? Pirou?
- Sei lá. Sinto que existe alguma coisa entre nós. Alguma coisa que está nos distanciando.
- Não, não há nada. Você deve estar cansada e fica ai, imaginando coisas, essas coisas de novela.
Mas ela não sossegava. Resolveu investigar. Começou a cheirar suas roupas, mexer no seu celular, procurar vestígios no carro. Achou uma calcinha. Uma que não era sua.
- Amor, o que é isso?
- O quê Léia?
- Essa calcinha. De quem é essa calcinha?
- Não sei. Onde você a conseguiu?
- Não mente, benzinho. Achei essa calcinha no seu carro. Quem é ela?
- ...
- Quem é ela, benzinho? Por quê você tem uma amante?
- Sabe Léia, tenho pensado sobre nós... Acho que nosso casamento não tem mais jeito. Temos vivido de aparências. Chegamos num ponto onde cada um deve seguir sua vida sozinho. Amanhã vou arrumar minhas coisas e saio de casa. - Como? E para onde você vai? E como eu fico?
- Não sei. Na verdade, não quero mais saber. Sei que você poderá fazer outro homem feliz.
- ...
- Durmo hoje aqui ainda e depois, sigo meu rumo.
Ela não poderia sustentar uma separação. Como o único homem que ela conhecia poderia fazer isso com ela? O homem por quem ela dedicara tanto de seu amor, agora a deixava só. Estava a trocando por uma aventurazinha, uma outra mulher que já deve conhecer a cama de tantos homens quanto às areias da praia. Ele estava a deixando. Ele...
Preparou o jantar. O chamou e disse que compreendia o que estava acontecendo e queria que eles fizessem uma última ceia juntos. Ele sorriu e imaginou que ela havia entendido e que sentia o mesmo pesar pelo casamento deles. Sentou-se na mesa, ela o serviu com um strogonoff de molho branco com arroz e salada. Ele adorava aquele prato. Comeu até dizer chega e agradeceu a compreensão dela.
Foi para o quarto, abriu a mala de viagem e começou a tirar as roupas do armário. Sentiu uma leve tontura e sentou-se na cama. Seu corpo começou a se contrair, enquanto sentia seu coração bater cada vez mais lentamente, cada vez mais lentamente. Sua boca secou, sua mão estava paralisada. A única coisa que viu foi a figura de Léia no quarto, segurando o vidrinho de chumbinho que havia comprado para dar fim nos ratos. E ela acabara de dar fim num rato.
Léia não poderia ser abandonada por alguém à quem dedicara tanto de sua atenção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Outros dizem...