os pensamentos caminham em sentido panótipo em conjunção com a vontade de fazer amor.
evoé, evoé.
você se foi e não pude fazer menção para te deter. talvez, eu não tivesse gosto por isso. talvez, te ver indo embora, sem saber quando poderia te rever, me fez sentir um gosto adocicado na boca da vida. sendo acometida, em seguida, por um soco no estômago, provocando um enjôo que me fez pensar se era dor da partida ou vingança do destino.
sua sombra se foi quando a porta do apartamento bateu e permaneci na cama com uma incerteza absurda sobre o que deveria fazer. deveria ter tentado mais ou me apaixonado mais por ti? o que você realmente queria, o que esperava de minha pessoa? lágrimas, desesperos, ameaças de suicídio? você não irei gostar. no final das contas, nunca sei se realmente te agradei ou se fora somente uma passagem branda em sua vida. você nunca demonstrou mais que sentimentalidades superficiais e desejos pelo sexo. talvez, isso não fosse amor. fosse só uma paixão que, pelo sentido, é passageira e deliciosa.
onde você estava no dia em que te quis amor? onde eu estava? me perdi tantas vezes por outros olhos nesses caminhos que já não sei quando tudo acabou. teria sido antes de dizer "eu te amo" ou foi exatamente quando lhe disse isso da boca para fora?
me apagar da memória ou esquecer o que vivemos seria idiotice. tente se lembrar das vezes em que te fiz rir. ou dos dias em que te fiz orgasmar. tente pensar nos poemas que fiz quando me encontrava em dias tão apaixonados que poderia ser a reencarnação perfeita de Shakespeare. mas foram tão poucos esses dias. fomos felizes, eu sei disso e não me esqueço. mas não consigo lembrar porque nos encontramos mais uma vez.
do que você sentiu falta na última noite em que nos deitamos em nossa cama e fizemos amor brevemente? nunca me disses do que gostava. descobri cada milímetro do seu corpo só. aprendi os lugares onde te fazia chorar de tanto rir e fazer o som dessa risada ecoar por todos os cantos do apartamento.
me lembro do dia em que você cantava no banheiro e pudemos ouvir o apartamento vizinho aplaudir pela janela. depois daquele dia, você se tornou a Rosa Ponselle do prédio! e toda vez em que entravamos no edifício, o porteiro era o primeiro a rir conosco.
prazer em ter te conhecido.
foi bom enquanto durou, eu sei.
agora, vou recomeçar sem você.
meu bem, já estou atrasada. como todos os dias, os dias passados e, possivelmente os futuros, meu relógio se tornou o maior inimigo do meu tempo. perco os dias, já que as folhas do calendário estão soltas no chão largadas pela ventania que abriu a janela e tirou as coisas de seu lugar. as folhas do vaso de flores estão amareladas sobre a mesa. os porta-retratos estão virados, sem imagem alguma. tudo o que era, de certo meu, ficou sem lugar, sem tempo, sem espaço.*foto "Relógios Moles" (1931), Salvador Dalí.
o bloco passa. passa gente de toda gente. passa homem e mulher. passa mulher e homem. criança e idoso também pode passar. na marquise da folia passa todos que tem vida. passa até aqueles que querem o fim depois da marquise.
o dia nem começara e já perguntava que horas voltaria para a cama. lentamente e, ainda com os olhos fechados, ergueu o corpo da cama e caminhou até o banheiro, enganando-se de quem um banho iria melhorar aquele mal estar. abriu a válvula do chuveiro e ficou parada durante alguns minutos sentindo a água morna caindo sobre a pele de suas costas. por mais que fizesse força, os olhos só abriram dez minutos depois de estar ali, apoiando a cabeça na parede.